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segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Poluição do ar: Paris e Londres reagem – e São Paulo? … o que faz? por Evangelina Vormittag e Olimpio Alvares

Vítima de condições meteorológicas desfavoráveis e dos ambientalmente negativos incentivos governamentais aos automóveis a diesel, a cidade luz, bem como outras cidades da França, presenciaram um dos piores patamares de qualidade do ar em sua história em meados de março deste ano.  
O poluente material particulado MP10 (partículas de poeira fina de diâmetro de 10 milésimos de milímetro e menores) alcançou picos de até de 180 µg/m³, quase quatro vezes o padrão diário de qualidade de ar de 50 µg/m³ (maior média das últimas 24 horas do dia) estabelecido pela Organização Mundial de Saúde. Esses níveis são considerados perigosos pelas autoridades francesas e pela legislação ambiental e de saúde local. A lei francesa estabelece que o “Alerta” seja deflagrado quando a média diária supera 80 µg/m³. No Brasil, por razões inexplicáveis, o “Alerta” deve ser deflagrado quando a média diária supera 420 µg/m³, segundo a regulamentação nacional da década de 90; e também segundo Decreto do Estado de São Paulo, do ano passado – em detrimento dos últimos 25 anos de progresso científico no campo dos estudos dos efeitos da poluição.

Quase não se enxergava a imponente torre Eiffel nas manhãs ensolaradas. Ao observar a estabilidade meteorológica no período e médias diárias de cerca de 110 µg/m³, o governo deflagrou medidas de emergência, preventivas e protetoras, decretando o “Alerta” à população.  Solicitou que os habitantes da Île-de-France não saíssem de carro, e se possível, não saíssem de casa; implementou o rodízio de 50% dos veículos a cada dia, inclusive motos,  jogou luz sobre a importância crítica da inspeção veicular bem feita e isentou o transporte público de pagamento, entre outras ações, devido à elevação do risco de morte da população mais vulnerável – bebês, crianças, portadores de doenças cardiorrespiratórias prévias e os cidadãos parisienses mais velhos.

O episódio francês se assemelha aos observados aqui em São Paulo em certos dias de inverno ensolarados com inversão térmica e tempo seco, sem ventos. Um bom exemplo para comparação é o episódio de agosto de 2010: um evento meteorológico extremo com onze dias consecutivos de umidade relativa do ar abaixo de 30%, quando a média diária do MP10 superou, durante dias seguidos, os 100 µg/m³ em diversas estações de monitoramento. No Ibirapuera, por exemplo, em 25 de agosto, atingiu-se a média diária de 165 µg/m³ e o valor máximo de 260 µg/m³, conforme reportado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e mostrado no gráfico abaixo.



No entanto, mesmo com esses níveis altíssimos de contaminação, as rigorosas e necessárias medidas preventivas e protetoras, bem como um vigoroso alerta à população, não foram estabelecidos em caráter emergencial, dada a estrita aplicação da letra da (desatualizada) lei brasileira. Apenas algumas medidas foram recomendadas, mas sem maior ênfase na estratégia de comunicação pública oficial. Pelo contrário, em discreta nota à imprensa, as autoridades ambientais sugeriram que a situação era comum nesta época do ano e estava sob controle, não havendo necessidade de medidas mais drásticas que objetivassem evitar iminentes riscos à saúde da população.

Mas, comprovadamente, os riscos iminentes à saúde da população de fato ocorreram, pelo menos em cidadãos paulistanos idosos, como demonstraram Coelho Zanotti e colaboradores, em estudo realizado na Faculdade de Medicina da USP, com autópsias feitas durante esta mesma semana, demonstrando aumento significativo de mortes por doenças cardiovasculares associadas à baixa umidade do ar e aos níveis de particulados elevados. Além desse estudo, a literatura científica mundial, inclusive nacional, está repleta de artigos que exaustivamente descrevem e alertam para tais fatos há muitos anos.

A poluição do ar é a primeira causa ambiental de morte e adoecimento no mundo. A Organização Mundial da Saúde publicou, na semana passada, os resultados de seus estudos mais recentes indicando 2,6 milhões de mortes prematuras anuais em todo mundo, decorrente da contaminação atmosférica. Só na Região Metropolitana de São Paulo são cerca de 8 mil mortes e no Estado de São Paulo 18 mil, todos os anos, devido aos particulados, atestados na pesquisa inédita do Instituto Saúde e Sustentabilidade em 2013.

No início de abril foi a vez de Londres, surpreendida por grandes quantidades de poeira trazida por correntes atmosféricas vindas do Sahara.  A poeira fina foi adicionada às emissões regionais continentais e às locais de material particulado fino dos (tambem lá) incentivados veículos a diesel, e de outras fontes industriais e domésticas. Com tudo isso, e com condições meteorológicas desfavoráveis à dispersão, uma névoa espessa escondeu o Big Ben e as outras maravilhas de uma das cidades mais impressionantes do planeta. O nível de contaminação de particulados atingiu concentrações médias diárias de PM10 superiores a 100 µg/m³ (nível 10 – o máximo). A imediata reação das autoridades londrinas foi semelhante à que ocorreu em Paris, com maior ênfase na recomendação de evitar atividades externas e deslocamentos motorizados, e um forte apelo para que as empresas adotassem o teletrabaho, como fizeram com sucesso durante as Olimpíadas, a fim de descarregar a malha de transportes. Londres ainda é a campeã européia de contaminação por dióxido de nitrogênio, um dos precursores da formação de ozônio, que é tóxico e crítico; o composto de nitrogênio tambem é emitido predominantemente pelos automóveis e demais veículos a diesel. Na Grã Bretanha, segundo o The Guardian, seis em cada dez automóveis comercializados são movidos a diesel – cujas emissões são cancerígenas, o que piora bastante os riscos da poluição.

As reações aos episódios de Paris e Londres constituem modelos didáticos de ética, transparência e responsabilidade em defesa da saúde da sociedade. As autoridades européias tambem nos alertam sobre a urgência dos programas de retrofit – instalação de filtros nos diesel pesados usados mais poluentes – bem como da adequação dos ultra-lenientes padrões de qualidade do ar brasileiros, que, só depois muita insistência da sociedade civil organizada, entraram na agenda do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Além disso, elas fazem lembrar a intrigante paralisia das nossas autoridades, quando se trata de cumprir compromissos ambientais – prioritários – de sua própria lavra, como as ações de redução da demanda por transporte individual motorizado, previstas nos regulamentos e planos oficiais de controle da poluição veicular, local e global, e, especialmente, o programa estadual de inspeção das emissões dos veículos em circulação, historicamente abandonado (desde 1993) ao último plano por temores eleitorais fantasiosos.

Evangelina Vormittag é  Doutora em Medicina pela FMUSP e Superintendente do Instituto Saúde e Sustentabilidade

Olimpio Alvares é consultor especializado em Emissões, Inspeção Veicular e  Transporte Sustentável  e  colaborador do Instituto de Energia e Meio Ambiente da USP

Fonte: EcoDebate

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