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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Hidrelétricas na Amazônia podem emitir mais gases de efeito estufa que usinas a carvão, óleo e gás

O Brasil orgulha-se de ter usinas hidrelétricas como principal matriz energética por serem  “fontes limpas”, de baixo impacto ao meio ambiente.
Mas esse traço nacional está sendo questionado. Hidrelétricas instaladas ou previstas para serem construídas na Amazônia podem ser tão ou mais poluentes que usinas termelétricas. Dezoito novos reservatórios poderão emitir, em cem anos, até 21 milhões toneladas de metano e 310 milhões de dióxido de carbono – dois dos principais gases de efeito estufa, responsável pelo aquecimento do planeta. Como o metano é 32 vezes mais potente no efeito estufa que o gás carbônico, o montante de emissões pode chegar a até 982 milhões de toneladas de “gás carbônico equivalente”. Em cenário mais otimista, o valor é de 369 milhões de toneladas.

A constatação é do estudo desenvolvido por cinco pesquisadores, incluindo o professor do Programa de Pós-graduação em Ecologia da UFJF Nathan Barros. O artigo foi publicado na revista britânicaEnvironmental Research Letters, de alto impacto científico relacionado a pesquisas em meio ambiente. Na próxima edição do periódico, será publicada resenha sobre o trabalho por um dos principais pesquisadores sobre Amazônia Philip Fearnside, ressaltando a relevância do estudo.

“Seis das 18 hidrelétricas analisadas apresentaram número significante de simulações que apontam emissões comparáveis a usinas termelétricas. São elas: Cachoeira do Caí, Cachoeira dos Patos, Sinop, Bem Querer, Colider e Marabá. E a maioria das simulações para três delas – Cachoeira dos Patos, Caí e Sinop – estima emissões mais altas até mesmo do que usinas termais”, aponta o estudo.

A hidrelétrica de Sinop, em Mato Grosso, emitirá anualmente, pelo menos, 250 quilos de gás carbônico equivalente por megaWatt-hora (CO2eq MWh) de energia produzido ao longo de cem anos – que é o tempo aproximado de vida útil de uma hidrelétrica. Em seus primeiros 20 anos de implantação, quando as emissões são mais intensas, o volume poderá ser de 1,1 tonelada anual. Essa é a perspectiva otimista. Na versão mais poluente, o montante pode chegar a 5 toneladas de CO2eq por MWh anuais nas primeiras duas décadas e a 3 toneladas anualmente em um século. “Os valores são superiores a usinas à base de carvão, que emitem, em geral, 1 tonelada de CO2eq por MWh, e também mais altos que usinas de gás natural, responsáveis por 470 quilos”, explica Nathan. Usinas eólicas, que emitem pouca quantidade de gases de efeito estufa, liberam apenas 46 quilos. Veja mais comparações nos gráficos abaixo.



Medidas
Os pesquisadores destacam que barragens com maior área são mais poluentes que  hidrelétricas menores e a fio d’água, ou seja, que utilizam predominantemente a correnteza para gerar energia e assim estocam menos volume líquido. A sugestão dos autores é adotar reservatórios com alta densidade energética – com alto potencial de produzir energia em menor área alagada – para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

A pesquisa também sugere melhoria nos procedimentos de limpeza da vegetação da região inundada para reduzir o volume de matéria orgânica, que favorece a liberação de carbono. O estudo critica a tendência de o governo brasileiro investir em grandes reservatórios, mais poluentes, para tê-los como garantia em caso de seca ou alta demanda energética.

Traços da Amazônia e pioneirismo
Ao se construir uma usina, é obrigatória a retirada da vegetação da área a ser inundada, mas a decomposição da matéria orgânica que sobra do corte das árvores e do carbono presente no solo ocasiona a formação de gás carbônico e metano. Além disso, o rio continuará trazendo sedimentos e matéria orgânica para o reservatório. “A produção desses gases torna-se mais intensa na Amazônia devido à presença abundante de matéria orgânica e da alta temperatura, que favorece a decomposição”, afirma Barros. O metano é formado em zonas sem oxigênio, geralmente áreas mais profundas do reservatório, por bactérias produtoras do gás, as chamadas metanogênicas.

“Vale ressaltar que este estudo foca em hidrelétricas na Amazônia. Isso não significa que usinas no Cerrado ou em outras áreas tenham o mesmo comportamento e sejam tão poluentes, porque as características são diferentes, como a abundância de vegetação e de carbono no solo”, destaca Nathan Barros.

“Considerando o alto número de barragens planejadas na região amazônica e em outros países como a China, é imperativo desenvolver modelos para estimar o equilíbrio de carbono de projetos de grandes hidrelétricas para dar suporte na tomada de decisão antes da construção de barragens”, afirmam os pesquisadores. Atualmente só há metodologias para os cálculos a partir de hidrelétricas existentes, e não para estimar futuras emissões – foco inédito do estudo.

Caso a perspectiva de aumento na emissão de gases de efeito estufa por hidrelétricas seja considerada, ela influenciará a meta de redução de níveis de carbono adotadas pelo Brasil. Já o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) poderá exigir que projetos de hidrelétricas em busca de financiamento informem o potencial de emissão de gases e se o local de construção é em floresta tropical.

10 mil simulações
Para calcular o quanto as futuras hidrelétricas na Amazônia podem contribuir para o efeito estufa, foram adotadas duas metodologias a partir de dados publicados: uma que subestima o potencial de emissão de gases pelos reservatórios (considera apenas a emissão de gás derivada da decomposição do material orgânico existente na biomassa e no solo antes da inundação) e outra que superestima a capacidade poluidora (leva em conta também o fluxo decorrente da decomposição da matéria orgânica trazida pelos rios e produzida pelas algas). “Ambas as metodologias fornecem uma gama plausível de emissões por esses reservatórios”, afirmam os pesquisadores.

Foram realizadas 10 mil simulações estatísticas para cada reservatório e cada metodologia (superestimação ou subestimação). A quantidade de cenários simulados é explicada pelos múltiplos fatores, como tamanho do reservatório, suas características bioquímicas e limpeza da área a ser inundada, “os quais podem interferir na produção, consumo e emissão de gases de efeito estufa em reservatórios tropicais e também pela alta variabilidade espacial e temporal dos dados analisados”.

Assinam também o artigo Felipe de Farias e Paulina Jaramillo da Universidade Carnegie Mellon (EUA), Henrique Sawakuchi da Universidade de São Paulo e Jeffrey Richey da Universidade de Washington (EUA). Foram estudadas as hidrelétricas de Belo Monte, Bem Querer, Cachoeira do Caí, Cachoeira do Caldeirão, Cachoeira dos Patos, Colider, Ferreira Gomes, Jamamxim, Jatobá, Jirau, Marabá, Santo Antônio, Santo Augusto de Baixo, São Luís do Tapajós, Sinop, São Manoel, São Simão Alto e Teles Pires.

Fonte: EcoDebate

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