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quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Madiba, artigo de Montserrat Martins

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar” – Nelson Mandela, 1918 – 2013


Mandela, o ‘Madiba’, foi visto como traidor por setores de seu partido quando passou a promover a conciliação entre negros e brancos, representada no filme “Invictus” pelo seu envolvimento com o time de rugby nacional, esporte ligado aos brancos. Pois essa “traição” foi o que o diferenciou de qualquer outro líder que estivesse em seu lugar, ao não ‘devolver’ aos brancos o que estes lhes fizeram, uma postura de estadista voltado à difícil missão de unir o povo do seu país.

Traição também foi a acusação que Mandela sofreu do governo racista para ser preso, inicialmente. Nada original, foi a mesma acusação que sofreu Tiradentes, na nossa História chamada de lesa-majestade, traição ao Rei. Palavra maldita, ser acusado de traição dói mais quando vem daqueles a quem mais se está ligado. Na vida de Mandela, a primeira pessoa a recriminá-lo foi sua mãe, que nunca compreendeu sua luta social, ao invés de se dedicar à família.

Sempre que alguém não corresponde às expectativas do seu grupo (familiar inclusive), é percebido como um traidor. Traição, no entanto, pode assumir outras conotações, como no debate presidencial em 2010 quando Plínio de Arruda Sampaio se declarou “um traidor da minha classe” por defender os direitos dos proletários sem ser um deles. Edward Snowden foi uma das estrelas de 2013 ao revelar os segredos da CIA, um dos mais altos graus de traição nos EEUU. O que todos eles tem em comum é que estavam servindo a uma causa maior, a de suas consciências e à da humanidade como um todo, mais ampla que a dos seus grupos de origem.

Prisioneiro por 30 anos (de 1960 a 1990, com breve período de foragido apenas no início), disse Mandela que na prisão aprendeu a pensar “a longo prazo” ao invés do modo de pensar mais imediatista dos jovens. O discurso revolucionário dos anos sessenta foi substituído pela fala conciliadora dos anos noventa. Muitos líderes e alas do CNA, seu partido, já o contestavam quando ele chegou ao poder. E ele não demonstrou ambição de permanecer no governo, sequer concorrendo à reeleição.

Vivemos uma era iconoclasta, onde todos os ídolos são contestados, onde reconhecer tudo que uma pessoa fez é contraposta ao que ela “deixou de fazer”. Em contraste com ingenuidades passadas, quando tolerávamos o intolerável, estamos progredindo. A História é cada vez mais escrita coletivamente, vide os movimentos de 2011 em todo o mundo onde o “Homem do Ano” foi “The Protester”, o rebelde, e o Brasil de 2013, em que a juventude foi às ruas contestando todas as lideranças – a ponto de se recusar a apresentar qualquer personagem como líder. No passado, histórias de reis e príncipes, depois o “self-made man” com sua habilidade nos negócios, agora a consciência coletiva e a prevenção contra o personalismo.

Madiba para seu povo, Nelson Mandela para nós, é um dos poucos exemplos de vida capazes de sobreviver à iconoclastia do século XXI. Assim como Gandhi ou Martin Luther King, sua principal luta não foi para chegar ao governo – foi para mudar a consciência social dos governantes. Não se dedicou a aproveitar as benesses do poder, nem a se manter nele. Millôr Fernandes dizia que “desconfio daqueles que lucram com os seus ideais” e Madiba é um dos poucos que passa por esse crivo. O carisma de Mandela, que o coloca num lugar distinto na História, provém de trair o próprio conforto que a condição de jovem advogado lhe dava, trair sua própria liberdade ao ficar três décadas preso, trair o ânimo de vingança seu e de seu grupo, só não trair a própria consciência que o levou a servir a uma causa maior, civilizatória.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

Fonte: EcoDebate

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