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quarta-feira, 11 de junho de 2014

Cada um tem seu tempo e depois entra em silêncio

Há um livro curioso do Primeiro Testamento, o Eclesiastes (em hebraico Coélet), que não menciona a eleição do povo de Deus, nem a aliança divina, sequer a relação pessoal com Deus. Representa a fé judaica inculturada na visão grega da vida. Possui um olhar agudo sobre a realidade assim como se apresenta e nutre a reverência para com todos os seres. Há uma passagem assaz conhecida que fala do tempo: “há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de colher, tempo de rir e tempo de chorar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de guerra e tempo de paz” e por aí vai (c. 3,2-8).

Há muitas formas de tempo. Precisamos nos libertar de um tipo de tempo dominante, aquele dos relógios. Todos somos reféns deste tipo de tempo mecânico. Conhecem-se relógios – o primeiro foi o relógio do sol – já há 16 séculos. Supõe-se que foram os asiáticos que, por primeiro, inventaram o relógio. Em 725 da nossa era, um monge budista maquinou um relógio mecânico que à base de baldes de água fazia uma rotação completa em 24 horas. No Ocidente atribui-se a outro monge, um beneditino, depois Papa Silvestre II (950-1003) a invenção do relógio mecânico atual.

Hoje ninguém anda sem algum tipo de relógio mecânico que mede o tempo a partir das rotações da Terra ao redor do Sol. Mas essa visão mecânica do tempo do relógio, estreitou nossa percepção dos muitos tempos que existem, como referidos pelo Eclesiastes acima. Foram os cosmólogos modernos que nos despertaram para os vários tempos. Tudo no processo da evolução possui o seu timing. Não respeitando certo timing, tudo muda e nós mesmos não estaríamos aqui para falar do tempo.

Assim, por exemplo, imediatamente após a primeira singularidade, o big bang, a explosão imensa (mas silenciosa pois não havia ainda o espaço para recolher o estrondo) ocorreu a primeira expressão do tempo. Se a força gravitacional aquela que faz expandir e ao mesmo tempo segurar as energias e as partículas originárias (a mais importante das quatro existentes) fosse por milionésimos de segundo mais forte do que se apresentou, retrairia tudo para si e causaria explosões sobre explosões e tornaria o universo impossível. Se fosse, por milionésima parte de segundo, um pouco mais forte, os gazes se expandiriam de tal forma que não ocasionariam a sua condensação e não teriam surgido as estrelas, os elementos todos que compõem o universo, nem haveria o Sol, Terra e a nossa existência humana.

Mas ocorreu aquele tempo necessário para o equilíbrio entre a expansão e a contenção que acabou abrindo um tempo para surgir tudo o que veio posteriormente. Houve um exato tempo em que se formaram as grandes estrelas vermelhas dentro das quais se forjaram todos os tijolinhos que compõem todos os seres. Se esse tempo exato fosse desperdiçado, nada mais teria acontecido.

Houve um tempo exatíssimo em que naquele dado momento deveriam surgir as galáxias. Se tivesse faltado aquele tempo, não surgiriam as cem bilhões de galáxias, as bilhões e bilhões de estrelas, em seguida os planetas como a Terra. Num exatíssimo momento de alta complexidade de sua evolução, irrompeu a vida. Perdido esse tempo, a vida não estaria aqui irradiando. Tudo apontava para a irrupção da vida lá na frente. O celebrado físico Freeman Dayson diz: ”Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, mais vejo a evidência de que o universo de alguma forma pressentia que nós estávamos a caminho”.

Há pois tempos e tempos e não apenas o tempo escravizante e mecânico do relógio. A Igreja guardou o sentido da diversidade dos tempos. Para cada tempo do ano, se Natal, se Quaresma ou Páscoa há a sua cor específica.

Geralmente vivemos os tempos das quatro estações com as transformações que ocorrem na natureza. Na nossa infância interiorana os tempos eram bem definidos: janeiro-abril: tempo das uvas, dos figos, das melancias, dos melões. Tempo de maio, o plantio do trigo e outubro-novembro de sua colheita.

Nós crianças esperávamos com ansiedade dois tempos sociais, nos quais a vila toda se reunia para uma grande confraternização: a festa da “polenta e osei”(polenta e passarinhos). Como as matas eram virgens, abundava todo tipo de pássaros que eram caçados especialmente para a festa. A outra era a “buchada” comida com pão e vinho, em longas mesas, seguida de cucas e geleias.

Estes tempos e outros conferiam distintos sentidos para a vida. Havia a espera do tempo, sua vivência e sua recordação.

O universo inteiro tem o seu tempo que se concretiza em dois movimentos que se dão também em nós: nossos pulmões e nossos corações se expandem e se contraem. O mesmo faz o universo mediante a gravidade: ao mesmo tempo que se dilata ele é segurado, mantendo um equilíbrio sutil que faz tudo funcionar harmoniosamente. Quando perde esse equilíbrio é sinal que prepara um salto para frente e para cima rumo a uma nova ordem que também se expande e se contrai.

Cada um de nós tem seu tempo biológico, determinado não pelo relógio mecânico, mas pelo equilíbrio de nossas energias. Quando chegam ao seu clímax que pode ser com 10, 15, 50, 90 anos, se fecha o nosso ciclo e entramos no silêncio do mistério. Dizem que é ai habita Deus nos esperando com os braços abertos como um Pai e uma Mãe, cheio de saudades de cada um de nós.
Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ.

Fonte: Mercado Ético

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