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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Uma pretensão inviável

Tem sido frequente a proposta de trocar a noção de sustentabilidade pela de resiliência, um conceito que por séculos ficou confinado às engenharias (principalmente naval), mas que há 40 anos foi simultaneamente adotado por ecólogos (1973) e psicólogos (1974) para designar, grosso modo, a capacidade de recuperação sistêmica pós-choques, ou a capacidade de absorção de choques e subsequente reorganização para funcionar como antes.

O físico holandês Roland Kupers, por exemplo, editor do interessante livro Turbulence [1]– a primeira publicação da Resilience Action Initiative (RAI), articulada em Davos no início de 2012 por dez das maiores corporações multinacionais, diz que sempre preferiu a ideia de resiliência por lhe parecer bem mais adequada ao aprofundamento do conhecimento analítico sobre sistemas complexos, por mais que admita ser superior o apelo intuitivo e emocional da ideia de sustentabilidade.

[1] Turbulence: A Corporate Perspective on Collaborating for Resilience, Roland Kupers (editor). Editora: Amsterdam University Press, 188 p.

Caminham no sentido oposto a esse raciocínio ao menos duas abordagens científicas, ambas insatisfatórias. A mais fraca aponta a “resiliência das comunidades” como um de quatro componentes da sustentabilidade. A outra, bem melhor, enfatiza que “a pesquisa sobre a resiliência dos sistemas socioecológicos” constitui a “base para a sustentabilidade”.

O recente relatório do National Research Council (NRC) [2] advoga a “maior resiliência das comunidades a eventos extremos” como um dos quatro issue clusters da sustentabilidade, acompanhada por: a) “conexões entre energia, alimentos e água”; b) “ecossistemas diversos e saudáveis”; e c) “saúde e bem-estar humano”. Cabe perguntar, evidentemente, se o conceito de resiliência não deveria ter sido aplicado também aos ecossistemas, em vez de só aparecer como atributo de comunidades, uma dificuldade que parece ter sido superada na concepção longamente amadurecida pelos pesquisadores que se articulam na excelente Resilience Alliance.

[2] Sustainability for the Nation: Resource Connection and Governance Linkages. National Academy of Sciences, 2013.

Para eles, principalmente ecólogos, resiliência é a “capacidade de um sistema de absorver perturbação e reorganizar-se, mantendo essencialmente a mesma função, estrutura e feedbacks, de modo a conservar a identidade”. Mas também lhes parece aceitável esta definição menos formal: “capacidade de lidar com choques para manter funcionamento sem grandes alterações”.

O que está em jogo nessa perspectiva é, portanto, a reorganização pós-choque dos “sistemas socioecológicos”, definidos como “sistemas complexos e integrados nos quais os humanos são parte da natureza”. Já por sustentabilidade essa comunidade entende “a capacidade de criar, testar e manter capacitação adaptativa”. E define “desenvolvimento sustentável” como a combinação da sustentabilidade com a “geração de oportunidades”. O grande problema, contudo, é que todas as abordagens da resiliência voltam-se sistematicamente para as reações a “choques”, enquanto a sustentabilidade é algo bem mais amplo, pois envolve fenômenos erosivos ou cumulativos, como são os casos da perda de biodiversidade, ou da pletora de gases de efeito estufa na atmosfera. Ambos certamente aumentam a frequência de eventos extremos, mas a sustentabilidade não se limita a reações a choques deles decorrentes, já que exige permanente conservação ecossistêmica e longa redução das emissões de carbono.

Mais estranha ainda é a completa ausência, nisso tudo, da questão central que, desde fins do século passado, vem consolidando a sustentabilidade como um novo valor.

Foi só quando a comunidade internacional começou a se responsabilizar pelas possíveis consequências de seus comportamentos atuais para gerações futuras que a ambição pelo desenvolvimento (ou prosperidade, ou progresso) passou a exigir a qualificação que lhe dá o adjetivo “sustentável”.

Então, não há a mínima chance de que a noção de sustentabilidade venha a ser preterida em favor do conceito de resiliência. E tal inviabilidade não se deve a um suposto apelo intuitivo e emocional da ideia de sustentabilidade que, segundo Kupers, impediria sua superação por um conceito mais “técnico”, ou mais “preciso”, como é o de resiliência. O fato é que resiliência é uma noção restrita, cujo alcance lógico e cognitivo é muito parcial se comparado ao da sustentabilidade.

* Jose Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP e autor de A desgovernança mundial da sustentabilidade (Ed. 34: 2013). www.zeeli.pro.br

Fonte: Mercado Ético

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