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sexta-feira, 17 de abril de 2015

América Latina tem potencial maior de expansão da bioenergia, diz relatório

A bioenergia pode chegar a prover um quarto da energia mundial até 2050, reduzindo poluentes e a emissão de gases do efeito estufa e promovendo desenvolvimento sustentável, entre outros benefícios econômicos e sociais.


O conhecimento científico e tecnológico pelo qual esses potenciais podem ser desenvolvidos foi compilado no relatório internacional Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps, uma iniciativa da FAPESP com o Comitê Científico para Problemas do Ambiente (Scope, na sigla em inglês), agência intergovernamental associada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Lançado na FAPESP na terça-feira, 14/04, durante mesa-redonda sobre Bioenergia e Sustentabilidade, o relatório deverá ser utilizado para subsidiar políticas do governo do Estado de São Paulo para o setor, disse Arnaldo Jardim, secretário estadual de Agricultura e Abastecimento.

“Esse trabalho representa o estado da arte da bioenergia, uma fronteira muito cara a São Paulo. O governador Geraldo Alckmin tem tratado o tema como de extrema importância para o futuro da agricultura, setor fundamental para o desenvolvimento econômico do estado. Todo esse conhecimento compilado precisa ser incorporado a políticas públicas e utilizado para orientar iniciativas privadas de empreendedorismo, colocando-se como referência para a cidadania ambiental de que precisamos”, declarou Jardim à Agência FAPESP.

A publicação é resultado do trabalho de 137 especialistas de 24 países, recrutados em 82 instituições e coordenados por pesquisadores dos programas FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) e Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

“Além de ser considerada uma alternativa valiosa do ponto de vista da eficiência e da segurança, a bioenergia traz importantes contribuições no nível geopolítico por ser um recurso flexível e sustentável, contribuindo também para a mitigação das mudanças climáticas. Essas e outras vantagens da produção adequada de bioenergia são abordadas no relatório de forma aprofundada e cientificamente embasada”, declarou Glaucia Mendes Souza, membro da coordenação do BIOEN e coeditora da publicação.

A orientação de políticas públicas que desenvolvam o setor da bioenergia de forma sustentável é um dos objetivos da FAPESP na iniciativa, declarou na ocasião Celso Lafer, presidente da Fundação. “O fato de o trabalho ter sido coordenado por pesquisadores ligados a importantes programas da FAPESP evidencia a preocupação da instituição com o desenvolvimento sustentável e com a participação multidisciplinar da ciência na formulação de políticas públicas.”

Jon Samseth, presidente do Scope, atribuiu a relevância do relatório para o desenvolvimento da bioenergia ao papel desempenhado pelo Brasil no setor e na comunidade científica internacional. “O Brasil conta com as energias renováveis para suprir 41% das suas necessidades energéticas e com uma comunidade científica forte e cada vez mais relevante globalmente. Em torno dessa capacidade foi engajado um conjunto de especialistas de diversas áreas da ciência e regiões do mundo, resultando em um esforço sem precedentes para concentrar em uma única publicação todo o conhecimento disponível em bioenergia.”

O desenvolvimento da iniciativa privada também não pode prescindir do conhecimento científico apresentado pelo relatório, declarou no simpósio de lançamento Elizabeth Farina, presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que falou sobre a importância da bioenergia em curto prazo para a indústria, os biocombustíveis líquidos e a bioeletricidade.

“Trata-se de um compêndio de informações cientificamente bem fundamentadas, essencial para que a indústria possa discutir uma agenda de políticas públicas e alternativas, especialmente considerando o compromisso global de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Além de produzir de maneira criativa e sustentável, o desenvolvimento da eficiência energética é um elemento importante para a competitividade da bioenergia”, disse Farina. 



Expansão

O simpósio de lançamento do Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps na FAPESP contou com palestras de editores e autores da publicação e pesquisadores convidados que destacaram, entre outras conclusões do relatório, o potencial latino-americano para expansão do setor.

“A disponibilidade de terras para produção de bioenergia está concentrada na América Latina e na África Subsaariana, regiões cujas terras estão sendo utilizadas predominantemente, e em baixa intensidade, como pasto animal”, disse Glaucia Mendes Souza.

De acordo com Luiz Augusto Horta Nogueira, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), um dos editores associados e coautor de diversos capítulos do relatório, a América Latina e o Caribe apresentam excelentes condições para a produção de bioenergia.

“Cerca de 360 milhões de hectares de terras aptas para a agricultura de sequeiro estão disponíveis na região, o que corresponde a 37% do total mundial e mais de três vezes a área necessária para atender às necessidades alimentares do mundo. Se geridos de forma adequada e com a adoção de processos eficientes, 20% dessa área poderia produzir anualmente 24 exajoules (EJ) de biocombustíveis líquidos, o equivalente a 11 milhões de barris de petróleo por dia, mais do que a produção atual dos Estados Unidos ou da Arábia Saudita.”

Horta Nogueira lembrou que a expansão do setor na região ocorre há algum tempo. “Desde a década de 1980 vários países latino-americanos têm promovido a produção e o uso de biocombustíveis. Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Costa Rica, Equador, Honduras, Jamaica, Panamá e Peru introduziram políticas para o etanol e o biodiesel. Programas de produção de bioeletricidade e biogás também foram implementados e várias nações estão produzindo biocombustíveis líquidos. A relevância dessa produção depende do mercado doméstico.”

Ainda de acordo com o pesquisador, a bioenergia moderna está se expandindo na América Latina e no Caribe. “A produção está aumentando, há avanços no marco regulatório, novos projetos vêm sendo implementados e o uso de biocombustíveis está crescendo”, declarou. No entanto, ainda existem desafios a serem superados para desenvolver a bioenergia de forma sustentável nos países da região.

“É preciso superar a falta de informação sobre os impactos e os benefícios da bioenergia e os desequilíbrios do mercado, uma tarefa difícil em tempos de petróleo barato. É preciso estabelecer regimes fiscais equilibrados e estáveis, bem como mecanismos de fixação de preços justos para promover mercados de bioenergia”, destacou.

Embora apresentando boas condições para a produção de etanol suficiente para atender o consumo potencial interno, programas de biocombustíveis não avançaram no México e no Panamá devido a distorções de preços e falhas de gestão. Esse e outros casos são apresentados no relatório.

“O conhecimento organizado e discutido no Bioenergy & Sustainability se apresenta, nesse sentido, como uma importante fonte de informação de qualidade, com orientações e perspectivas adequadas para políticas públicas eficazes em bioenergia”, disse Horta Nogueira.

Segurança

De acordo com o relatório, combinar de forma harmônica a silvicultura com políticas agrícolas é fundamental para a produção e o fornecimento sustentável da bioenergia por meio da integração de terras agrícolas e florestas e pastagens, de maneira que não comprometa a produção de alimentos ou ecossistemas. A publicação traz uma série de orientações quanto à segurança alimentar, energética e climática da bioenergia.

Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e coautor do relatório, destacou no lançamento aspectos relacionados à segurança climática da bioenergia e seu papel para uma matriz energética sustentável diante de diversos desafios contemporâneos, como as mudanças climáticas.

“Os níveis do aquecimento global, superiores a 2ºC, resultarão em impactos significativos e adversos sobre a biodiversidade, os ecossistemas naturais, o abastecimento de água, a produção de alimentos e a saúde. Quaisquer impactos potenciais de bioenergia devem ser encarados neste contexto”, enfatizou.

De acordo com Artaxo, a bioenergia é fundamental para a segurança ambiental e a mitigação das mudanças climáticas.

“A bioenergia pode ser economicamente benéfica, por exemplo, por possibilitar o aumento e a diversificação dos rendimentos agrícolas e o crescimento do emprego rural por meio da produção de biocombustíveis para uso doméstico ou mercados de exportação. Culturas bioenergéticas adequadamente gerenciadas podem ajudar a manter a qualidade do solo e até mesmo resultar em acúmulo de carbono, reduzindo assim a emissão de CO2”, explicou.

Mas o pesquisador ponderou que, apesar de a bioenergia desempenhar um papel importante para a mitigação, há questões a serem consideradas quanto à sustentabilidade das práticas e da eficiência dos sistemas de bioenergia.

“As implicações negativas do uso da terra para a bioenergia podem ser minimizadas pelo aumento da cota de bioenergia derivada da floresta, de plantações ou resíduos de culturas, pela integração da produção a sistemas de culturas e ao planejamento da paisagem e pela implantação de terras marginais ou degradadas, entre outras medidas.”

De acordo com Patricia Osseweijer, da Universidade Técnica de Delft, na Holanda, também coautora do relatório, mais uma vez a América Latina desempenha papel importante na expansão sustentável da bioenergia.

“Não há terra suficiente disponível para a produção substancial de bioenergia e alimentos para uma população mundial em crescimento, e a expansão será predominantemente na África Subsaariana e na América Latina. Também não existe uma relação causal inerente entre a produção de bioenergia e a insegurança alimentar. Na verdade, a bioenergia pode melhorar os sistemas de produção de alimentos e o desenvolvimento econômico rural, estimulando investimentos na produção agrícola em áreas pobres e fornecendo um sistema de comutação dinâmica para produzir energia ou alimento sempre que necessário”, destacou.

Para a pesquisadora, é um dever ético desenvolver e avaliar práticas de produção de bioenergia e alimentos combinadas especialmente em áreas pobres e em desenvolvimento. “O relatório apresenta uma série de cenários e traz orientações importantes para que a produção de bioenergia cumpra seu potencial de estimular o desenvolvimento rural e a geração de emprego, garantir a segurança energética e o desenvolvimento social.”

Glaucia Mendes Souza lembrou que o relatório apresenta evidências de que “a produção de bioenergia em áreas rurais pobres pode ajudar a melhorar o crescimento econômico, o desenvolvimento do mercado da bioeconomia e a segurança alimentar”. No entanto, os benefícios dependem de políticas públicas que garantam sustentabilidade e distribuição igualitária dos benefícios.

“A ideia de que os biocombustíveis competem com a produção de alimentos e poderiam levar a aumento dos preços é baseada em suposições, não em fatos. O que se está descobrindo, e o relatório apresenta evidências disso, é que a bioenergia pode ter sinergias benéficas para a produção de alimentos, trazendo modernização para a agricultura, poder aquisitivo para regiões rurais e emprego onde muitas vezes a única fonte de recursos é a agricultura de subsistência”, disse a pesquisadora.

Além de Mendes Souza, são editores da publicação Reynaldo Luiz Victória, membro da coordenação do PFPMCG, e Carlos Alfredo Joly e Luciano Martins Verdade, ambos da coordenação do BIOTA. O relatório passa agora para a fase de disseminação dos resultados, com a elaboração de resumos em que serão destiladas as principais mensagens da publicação. Estão previstos lançamentos regionais em São Paulo, Washington, nos Estados Unidos (na sede do Banco Mundial), Bruxelas, na Bélgica, e Nairóbi, no Quênia.

A íntegra do Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps está disponível para download e leitura on-line em bioenfapesp.org/scopebioenergy.

Fonte: Fapesp

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