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terça-feira, 30 de junho de 2015

Belo Monte, uma usina de promessas

O Instituto Socioambiental (ISA) lançou esta semana o Dossiê Belo Monte, que aponta para uma série de erros e equívocos no planejamento e construção da terceira maior hidrelétrica do mundo.


O Brasil está prestes a ver mais um reservatório de usina hidrelétrica ocupar espaços que antes eram destinados a múltiplos usos. A história se repete, com nuances de diferenças e muitas similaridades. A hidroeletricidade é apontada como uma das energias ambientalmente mais limpas do planeta, no entanto, não se pode dizer o mesmo de seus impactos sociais. A hidrelétrica de Belo Monte está instalada em uma das regiões de maior sociobiodiversidade,do Brasil, muito próxima ao Parque Indígena do Xingu e de Altamira, cidade que sempre foi um portal para a Amazônia. Principal obra da primeira fase do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a construção da usina de Belo Monte começou em 2011 e tem sido recheada por tropeços em sua implantação e carregada de passivos ambientais e sociais.

A falta de cronograma claro e definição de responsabilidades para as contrapartidas assumidas pela Norte Energia, empresa responsável pela obra, transforma qualquer pequena demanda em um imenso jogo de empurra entre os atores envolvidos.  As obras das estações de tratamento de água e saneamento em Altamira são o exemplo mais pitoresco desses impasses. A empresa entregou para a prefeitura toda a infraestrutura que garantiria água de boa qualidade e o tratamento de esgotos, contudo, nega-se a fazer as ligações aos imóveis que consomem a água e geram os esgotos. Nesse processo foram investidos R$ 485 milhões e a população ainda depende de poços e fossas em seu cotidiano.

Há críticas consistentes também em outras áreas da relação entre poder público e a Norte Energia, como saúde ou segurança. A presença da obra de Belo Monte, que será a 3ª maior hidrelétrica do mundo, levou milhares de trabalhadores e migrantes para a região, causando um enorme impacto sobre os serviços públicos, que já não eram de excelência antes do início dessa movimentação. A população de Altamira deu um salto de 100 mil para 150 mil habitantes, o que se refletiu no número de ocorrências policiais, onde a taxa de homicídios subiu de 48 para cada 100 mil habitantes para os atuais 57 assassinatos por 100 mil habitantes. A média nacional é de 32 e a média mundial é de seis.

Transitar em Altamira também tornou-se um exercício arriscado. O número de acidentes de trânsito na cidade subiu de 456 para 1169 em um ano, o que serviu, também, para aprofundar a crise nos serviços públicos de saúde, que em apenas um hospital em 2013 os atendimentos foram triplicados.

Saúde e educação foram áreas muito impactadas pela presença de uma nova população, formada principalmente por trabalhadores da Norte Energia, suas famílias, prestadores de serviços e pessoas em busca de mais oportunidades, além, é claro, das populações ribeirinhas e rurais deslocadas de suas casas por conta das obras e do território que será ocupado pelas águas represadas do rio Xingu. A empresa se comprometeu a investir na infraestrutura de saúde, mas atrasou a entrega de todos os equipamentos contratados.

A infraestrutura de educação também é bastante exigida, novamente o atraso na entrega das obras combinadas com a Norte Energia levou os municípios a suportarem excesso de alunos em salas de aula. Além disso, há um dado importante: o Ministério da Educação considera em seus repasses para os municípios o número de estudantes matriculados no ano anterior. No caso da região impactada por Belo Monte o número de alunos tem crescido à base de mil a mais por ano, o que amplia a pressão sobre os recursos municipais. Em 2012, havia em Altamira 24.791 alunos, em 2015 o número de alunos matriculados (ensino infantil e fundamental) aumentou para 27.486.

É importante registrar que houve um expressivo aumento nas taxas de reprovação e evasão escolar com riscos importantes para segurança de crianças e adolescentes. Somado a isso há o fato de que o Conselho Tutelar de Altamira conta com apenas cinco pessoas para atender mais de dois mil casos por ano.

A hidrelétrica é, também, o empreendimento de maior impacto sobre populações indígenas em todo o Brasil. Mais uma vez o empreendedor não inovou em nada, adotou na maior parte de seus investimentos com foco nesse grupo critérios clientelistas. Dos R$ 212 milhões que a empresa alega ter gasto a maior parte foi ofertada em presentes e “mesadas” para as aldeias, em uma relação desigual com as comunidades. Essa oferta desmedida de dinheiro desequilibrou os sistemas de produção de alimentos nas aldeias, que passaram a comprar produtos industrializados de baixa qualidade e impôs riscos à segurança alimentar principalmente das crianças.

A relação da Norte Energia com o Ibama tem sido de conflito e composição em situações onde licenças são concedidas antes que as contrapartidas sejam, de fato, entregues à população e às prefeituras da região. Essa situação piora com a falta de uma presença efetiva de comando e controle, o que tem levado a uma exploração de recursos naturais em Terras Indígenas, onde a retirada de madeira já pode ter chegado a valores próximos a meio bilhão de reais.

A situação dos recursos pesqueiros é um capítulo a parte. Mesmo fazendo um monitoramento semestral na região, os dados coletados pelo Ibama não estão sendo colocados à disposição da população, de pesquisadores ou de organizações sociais que fazem o acompanhamento dos impactos sobre a pesca, um importante elemento de geração de renda e segurança alimentar para as populações ribeirinhas e para os povos indígenas.

Mesmo não sendo o primeiro e nem o único empreendimento de porte instalado no Brasil, a construção de Belo Monte vem repetindo erros que já deveriam ter ficado no passado autoritário.  Praticamente todas as iniciativas de diálogos produtivos entre os principais atores não têm levado a avanços importantes, questões fundamentais como o reassentamento de populações rurais e a criação de assentamentos urbanos não avançam por falta de flexibilidade nos planos da empresa.

Essa falta de diálogo reflete-se, também na ausência de transparência em relação aos investimentos, aos financiamentos e aos volumes de recursos alocados em cada uma das áreas de atuação da Norte Energia em todo o processo de planejamento, licenciamento e construção da usina de Belo Monte. Neste momento em que as comportas estão para ser fechadas fica a lição de como não fazer uma grande obra de infraestrutura na Amazônia, região sensível que ainda vai abrigar muitos bilhões em geração de energia, mineração, estradas e todo o tipo de intervenções impactantes sob o ponto de vista ambiental e social.

* * Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

Fonte: Envolverde

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