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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Enzimas da Antártica têm aplicação industrial

A fabricação de detergentes, cosméticos, alimentos, medicamentos e muitos produtos químicos depende de processos executados por enzimas, compostos orgânicos que catalisam e tornam possíveis muitas reações químicas. Entre as enzimas de interesse para a indústria, as mais empregadas são as proteases, que respondem por 60% do mercado mundial de enzimas.


Uma estratégia para descobrir novos compostos é procurar, em ambientes de clima extremo, os microrganismos que as produzem, chamados “extremófilos”. Por isso, o grupo coordenado pela professora Maria das Graças de Almeida de Felipe, da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP), iniciou em março de 2012 o projeto “Estabelecimento de condições de cultivo de leveduras isoladas da Antártica visando à produção de proteases”, que se encerrou este ano e recebeu apoio FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

“A nossa expectativa era que esses microrganismos encontrados em condições extremas, restritivas de clima, poderiam produzir enzimas com características especiais para uso em bioprocessos industriais”, disse Almeida de Felipe.

Esses fungos do Polo Sul estavam armazenados na Coleção Brasileira de Microrganismos de Ambiente e Indústria pertencente ao Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas Biológicas e Agrícolas da Universidade Estadual de Campinas (CPQBA-Unicamp).

Todo o material, que reúne cerca de 350 fungos, é parte de um projeto anterior, “Exploração biotecnológica de fungos derivados da Antártica”, coordenado pela professora Lara Durães Sette, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), campus de Rio Claro (SP).

O primeiro projeto já havia iniciado um estudo para explorar outras enzimas além de proteases produzidas pelos fungos da Antártica. O trabalho da equipe de Sette durou de 2011 a 2013 e indicou que poderia haver ali várias enzimas de grande interesse industrial.

As proteases não são somente importantes como catalisadores biológicos, mas compõem a formulação de detergentes, aromatizantes e outros produtos da química fina, de acordo com a pesquisadora da USP. “Os microrganismos antárticos podem não ser oriundos daquele continente; uma vez levados para lá, se adaptaram às condições climáticas e geográficas extremas”, disse Almeida de Felipe.

Por esse motivo, a equipe já esperava que eles produzissem moléculas com características especiais, como proteases altamente estáveis a ponto de se manterem em atividade em uma ampla faixa de temperatura, o que encontraria aplicação em uma extensa gama de setores industriais.

A equipe de Almeida de Felipe utilizou da coleção de fungos do CPQBA um conjunto de 99 leveduras com potencial de produção de proteases. O material foi enviado ao campus da USP de Lorena, para os cultivos laboratoriais. Dentre as 99 amostras, 14 apresentaram um halo ao redor da colônia quando em contato com leite. A presença do halo indicava a degradação das proteínas do leite e, portanto, a presença de proteases.

Das 14 leveduras produtoras, uma chamou a atenção dos pesquisadores por sua produtividade, a Rhodotorula mucilaginosa. Os ensaios taxonômicos que identificaram o microrganismo foram feitos em paralelo no projeto coordenado por Sette.

“Sabíamos que tínhamos em mãos microrganismos da Antártica e os locais de onde foram extraídos, mas não sabíamos quais eram, por isso o trabalho taxonômico teve de ser realizado em conjunto”, disse Almeida de Felipe.

A espécie encontrada produz uma molécula de alta qualidade que se mostrou estável em uma ampla variação de temperatura, o que evitaria prejuízos num processo industrial no caso de queda de energia elétrica, por exemplo.

Outras enzimas, quando submetidas a pequenas variações de temperatura, levam à perda da atividade enzimática, de acordo com a pesquisadora da USP.

A levedura escolhida obtém sua atividade máxima na temperatura de 50º C e pH 5, o que reforça a hipótese de que esses microrganismos não são naturais da Antártica e, portanto, desenvolvem estratégias de adaptação.

Pigmento laranja

Outro subproduto da Rhodotorula é um pigmento laranja, o que motivou a continuação das investigações para avaliar a produção dessa molécula e suas possíveis aplicações.

O grupo de pesquisa acredita que ela pode servir de base para uma grande variedade de bioprodutos, que vão de biocorantes, substitutos de corantes sintéticos, a biossurfactantes, agentes capazes de alterar as propriedades da superfície de um líquido.

O pigmento chega a alterar de cor com a mudança de temperatura, o que abre um vasto campo potencial de aplicação, como seu emprego como biossensor de temperatura, por exemplo.

Essa pesquisa sobre proteases ficou a cargo da doutoranda Luciana Cristina Silveira Chaud e resultou na tese “Estabelecimento de condições de cultivo de leveduras isoladas na Antártica visando à produção de proteases”, defendida em 8 de agosto de 2014 na EEL-USP e orientada por Almeida de Felipe.

“A banca examinadora também percebeu o potencial da protease descoberta e sugeriu a continuação das pesquisas, inclusive com análises genéticas dos microrganismos”, disse a professora.

Para continuar os trabalhos teve início, em abril de 2014, o projeto “Biotecnologia marinha e Antártica: enzimas microbianas e suas aplicações”, coordenado por Sette e com participação de Almeida de Felipe.

O projeto inclui estudos com esses fungos sobre a produção de enzimas, bem como a caracterização, escalonamento e aplicação tecnológica dessas enzimas.

“Tivemos grandes descobertas nesses últimos anos e ainda temos perspectivas muito promissoras que devem gerar inovação por meio de produtos prospectados da biodiversidade”, disse Almeida de Felipe. 

Fonte: Fapesp

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