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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Agricultura Migratória, artigo de Roberto Naime

Hoje em dia, está mais disseminada a ideia de manejo florestal, onde o fator tempo representa importante vetor para consolidação de práticas compatibilizadas, entre as atividades antrópicas e os meios naturais de natureza biológica ou física.

As comunidades tradicionais sempre praticaram agricultura migratória. Esta prática beneficia todas as partes envolvidas. A floresta ou os solos se regeneram. As pessoas se fixam temporariamente em áreas de mais recursos naturais. E tudo se mantém em equilíbrio ecossistêmico. O modelo de agricultura migratória, ou seja, aquela que alterna em uma mesma área períodos de cultivo (2-4 anos) e períodos de pousio florestal (3-7 anos), pode trazer uma grande economia em adubos por hectare.

A agricultura migratória é uma prática comum no Brasil. Conhecida como agricultura caiçara ou de coivara ou ainda chamada de pousio, foi muito praticada pelos índios e ainda apresenta adeptos em comunidades mais tradicionais, espalhadas por todos os rincões do país. As regiões onde normalmente estas práticas são realizadas se restringem a situações onde existe mata em abundância, gerando muitas fontes de propágulos, como sementes e mudas, de variadas espécies florestais.

Logo que findam as atividades agrícolas, a vegetação da mata começa a se restabelecer. Em situações onde não há esta grande presença de floresta já formada, fica difícil ou até mesmo impossível estabelecer a agricultura migratória.

Os produtores tradicionais tem deixado de praticar a agricultura mais conservacionista, que sempre realizaram, para praticar a agricultura convencional, muito mais impactante ao meio ambiente.Estas práticas além de mais impactantes, geram menor renda dos pequenos agricultores. Estas dificuldades estimulam e geram indução à ocorrência de êxodo rural, uma vez que a continuidade familiar, raramente permanece na propriedade familiar.

Investigação identificada no site da EMBRAPA permite concluir que no pousio de 5-7 anos, tal qual os agricultores praticavam antigamente, foram encontradas as melhores condições de solo, tanto nas características química, como as físicas e biológicas. Também a maior deposição de manta orgânica sobre o solo constituída de folhas e galhos, determina maior atividade da fauna do solo, quando comparado com menor tempo de pousio que se verificam nas práticas atuais.

Os dados foram muito similares aos obtidos nas florestas com mais de 70 anos. Este é um indicativo que para estas características um descanso de 5-7 anos já se torna suficiente para recuperar a capacidade produtiva dos solos. O que mantendo o pousio por menor tempo, estas práticas harmoniosas não se tornam possíveis.

As constatações decorrentes da investigação de campo da EMBRAPA só foram possíveis porque um antigo agricultor colaborou bastante para a consecução do trabalho. A pesquisa foi realizada no estado do Rio de Janeiro, na região de Barra Alegre, no município fluminense de Bom Jardim. Neste sítio e em toda região considerada, estão presentes populações tradicionais, tanto formadas por imigrantes europeus, como por populações com antepassados indígenas ou de cidadãos afro-descendentes. Um sítio da paisagem geográfica local foi transformado em laboratório a céu aberto e permitiu simulações e coletas de materiais, que duraram alguns anos.

Isto possibilitou acurado monitoramento e acompanhamento tanto dos solos, como do comportamento das espécies vegetais presentes. A área privada se chamava ”Sítio Cachoeira”, estando localizado, conforme já registrado, no distrito de Barra Alegre, na localidade de Bom Jardim. Na descrita propriedade, avaliada por tempo considerado suficiente, todas as variáveis integrantes do processo de produção denominado de coivara ou pousio. Que já numa avaliação preliminar, se mostra um sistema com plena harmonia e compatibilidade com os ecossistemas típico das regiões de mata. Mesmo para áreas remanescentes, mas ainda em equilíbrio ambiental, ainda que instável.

Graças ao experimento, cuidadosamente realizado e registrado pelos técnicos da EMBRAPA, atualmente é possível realizar comparações entre os sistemas de pousio, tradicional de agricultura migratória e os sistemas convencionais que tem substituído a coivara. Ainda é muito expressivo e relevante em todo o país, a quantidade de agricultores que são tributários de culturas tradicionais, e percebem nestes sistemas formas importantes de compatibilização entre os ecossistemas afetados e as práticas antrópicas ou socioeconômicas para sobrevivência e subsistência.

Certos tradicionalismos, transmitidos por oralidade e práticas cotidianas são de extrema importância para todo cenário que se quer preservar, pois determinam conhecimentos implícitos que não podem ser mensurados ou tangibilizados.

A agricultura tradicional é um destes quadros, cuja complexidade de situações envolvidas e aprimoramentos e evoluções realizadas durante o tempo, não podem ser mensuradas ou avaliadas em termos econômicos. Ou ainda, negligenciadas e perdidas para modernidades determinadas por superficialidades ou instantaneidades sem raízes.

A magneficência do conhecimento tradicional precisa cada vez mais ser resgatada e mantida para usufruto das futuras gerações. Porque nada se cria do acaso e isto deve estar bem claro para todas as presentes e futuras comunidades do planeta.

Revista Eco 21, Ano XIV, Edição 87, Fevereiro 2004. (www.eco21.com.br)

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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