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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Projeto para romper barreiras energéticas

Um projeto energético impulsionado pelo Chile pretende combinar uma central hidráulica de bombeamento que funcionará com água do mar, com outra solar fotovoltaica, a fim de garantir um fornecimento limpo e constante de energia no deserto de Atacama, o mais árido do mundo.
A iniciativa pode parecer inviável, considerando a extrema aridez e a escassez de água da região onde se localiza: o norte do país, onde o consumo hídrico e de energia é dominado pelas grandes empresas mineradoras de cobre, ouro e prata.

Mas já atraiu o interesse de investidores locais e estrangeiros e também foi reconhecida em 2015 com o Prêmio Nacional de Inovação, entregue pelo governo local.“Em nenhuma parte do mundo se consegue oferecer energia limpa e de base 24 horas por dia, sete dias por semana, a preços competitivos e sem subsídios”, afirmou Juan Andrés Camus, gerente-geral e um dos fundadores da Valhalla Energia, a empresa que promove o projeto.

“Essa trilogia é algo único e não é uma genialidade nossa, mas um tremendo presente da natureza”, disse à IPS o executivo da companhia, criada sob o princípio de que o Chile é um país pobre quanto às chamadas “energias do passado, mas infinitamente rico em energias do futuro”.

Com investimento de US$ 400 milhões, a central Espelho de Tarapacá funcionará como uma grande bateria de armazenamento de energia, que começará a ser construída no final deste ano, devendo estar funcionando em 2020. Inclui a instalação de uma central hidráulica de bombeamento, que durante o dia levará água do mar à parte superior de uma escarpa costeira (rocha alta saliente) utilizando energia solar, acumulando-a em concavidades naturais localizadas a 600 metros de altura.

Durante a noite, quando não há energia solar disponível, vai gerar eletricidade deixando cair essa água pelos mesmos túneis. Assim oferecerá energia limpa e constante (24 horas por dia, sete dias por semana), superando a intermitência das energias renováveis e não convencionais. OEspelho de Tarapacá gerará 300 megawatts (MW) e estará localizado nacaleta(espécie de minibaía) de San Marcos, na região chilena de Tarapacá, no extremo norte do país e cem quilômetros ao sul da cidade de Iquique.



Paralelamente, a empresa vai construir Cielos de Tarapacá, um parque solar fotovoltaico adjacente, na localidade de Pintados, que produzirá 600 MW e cujo investimento se aproxima de US$ 1 bilhão. Esse projeto, que aguarda pela permissão ambiental, funcionará com tecnologia de tracking em um eixo, que segue o sol durante o dia do leste até o oeste.

Segundo Camus, seu tamanho será tal “que, se estivesse operacional em 2015, seria a maior usina solar do mundo”. À noite, continuará gerando energia solar, graças à energia armazenada no Espelho.

As principais características dos dois projetos são que utilizarão as abundâncias naturais do Chile e sua geografia. A água do mar, a escarpa de grande altura situada em vastas zonas costeiras do país, e a radiação solar do deserto de Atacama. Isso dispensará as represas e reduzirá em até 80% as obras subterrâneas, minimizando o impacto ambiental, segundo seus promotores, os quais destacam que o projeto é um dos mais inovadores do mundo em matéria de energia.

“Mais do que na tecnologia, a inovação do Espelho de Tarapacá está no uso muito eficiente da geografia para poder implantar a central com custo mínimo”, pontuou Camus. “A grande oportunidade está no uso eficiente do território, mais do que na barreira tecnológica”, acrescentou.O Chile, país muito comprido e estreito, está delimitado pela cordilheira dos Andes e pelos 6.453 quilômetros de costa no Oceano Pacífico.

Antes da concretização do projeto, a Valhalla trabalhou com a pequena comunidade costeira de San Marcos. Seus 300 habitantes, que se dedicam à extração de moluscos, pesca artesanal e exploração da alga sargazo (Macrocystis pyrifera), inicialmente se mostraram reticentes e temerosos, principalmente pelo impacto do projeto sobre os recursos marinhos da área.

Para avançar nas conversações foram criadas mesas de trabalho. A comunidade solicitou especialistas marinhos e um advogado que os apoiasse em aspectos técnicos e legais.Finalmente, após meses de trabalho, a empresa assinou acordos com o sindicato pesqueiro local e a associação de moradores, que contemplam aportes da empresa à comunidade, um conjunto de princípios para manejo transparente da central e um mecanismo de resposta caso seja detectado algum dano ao oceano.

“Foi benéfico, e tomara que outras comunidades possam ter acesso a isso, decidir por si mesmas, com informação, simetria de oportunidade, e defender seus direitos, para que a ignorância não se transforme em trava para o desenvolvimento”, afirmou Genaro Collao, presidente do Sindicato de Pescadores da caletade San Marcos.“Neste ponto de inflexão, a decisão é se coloco dinheiro em seu bolso ou melhoro sua vida. O dinheiro no bolso vai durar um dia, uma semana, um mês. A vida, vamos deixar de herança, esse é o conceito”, destacou à IPS por telefone desde sua localidade.

O Chile possui 17,6 milhões de habitantes e capacidade total instalada de 20.203 MW, distribuídos majoritariamente nos sistemas interligados Central (78,38%) e do Norte Grande (20,98%). Destes, 58,4% da energia provem de geração a diesel, carvão e gás natural, enquanto o restante corresponde a energias renováveis que incluem, em sua grande maioria, a mega-hidroeletricidade.

Apenas 13,5% do total corresponde a energias renováveis não convencionais, como eólica (4,57%), solar fotovoltaica (3,79%), mini-hidrelétricas (2,8) e biomassa (2,34%).Em 2014, o governo da presidente Michelle Bachelet estabeleceu uma nova Agenda de Energia, na qual se considera viável que, em 2050, 70% da geração de energia no Chile seja fornecida por fontes renováveis.

“O setor energéticochileno é responsável por70% das emissões de gases-estufa do país. Assim, são os compromissos em energia que nos permitirão chegar ao compromisso de redução de 30% nas emissões até 2030”, garantiu à IPS o ministro do Meio Ambiente, Pablo Badenier.“Ao se pegar o mapa do caminho de energia 2050, pode-se considerar viável que, nesse ano, 70% da geração de energia no Chile provenham de energias renováveis. Isso é o que torna possível, sério, comprometer essa meta de gases-estufa”, ressaltou o ministro.

Estudos indicam que o deserto de Atacama possui os mais altos níveis de radiação solar do mundo. Os especialistas garantem que, com menos de 0,5% da superfície do deserto coberto por painéis fotovoltaicos, seria possível substituir toda a geração elétrica do Chile.“Projetos como este podem gerar uma oportunidade do ponto de vista de colocar o país na vanguarda de desenvolvimento de tecnologia verde sem precisar pagar mais por isso”, concluiu Camus. 

Fonte: Envolverde

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