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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Quem paga pelo desperdício?

Relatório divulgado há poucos dias na Europa informa que o velho continente poderia economizar mais de US$ 1,8 trilhão por ano com avanços na gestão do lixo. E um terço disso seria resultado apenas da economia no consumo de recursos naturais.
O Brasil, segundo a empresa consultora (McKinsey), também poderia ganhar muito, já que cada pessoa produz em média 330 quilos anuais de resíduos.

Um dos exemplo apontados de desperdício no lixo é o da quantidade de ouro em lixões, que pode ser maior que a existente em minas de onde o metal é extraído. A vantagem poderia ser ainda maior para recicladores se se reduzisse a carga tributária sobre produtos reciclados, em alguns casos maior que a aplicada a materiais virgens.
É um sinal de avanço, por isso a apresentação em Santa Catarina do primeiro documento declaratório de resíduos industriais, por um acordo entre a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes e a Fundação do Meio Ambiente. Já aderiram ao sistema 18 mil empresas da região. E foram emitidos 328,7 mil manifestos de transporte de resíduos (retoquejor.com.br). Com isso, é possível acompanhar todas as etapas da cadeia de destinação de resíduos sólidos no Estado – influenciando a produção, o transporte, o destino e o aproveitamento desses resíduos.

A iniciativa é importante por muitos ângulos. Por exemplo: as emissões de gases do efeito estufa no Brasil provenientes do setor de resíduos sólidos continuam a crescer e, segundo o relatório lançado em setembro, atingiram o maior número nos últimos 44 anos, com 68,3 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalentes – com aumento de 80% entre 2000 e 2014 e de 500% desde 1970. Embora essas emissões representem apenas 3,7% do total dos vários setores geradores (mudanças no uso da terra, energia, agropecuária e processos industriais), têm grande impacto na atmosfera por causa da geração de gases com maior potencial de aquecimento, como o metano (21 vezes mais potente que o dióxido de carbono) e o óxido nitroso (310 vezes mais potente).

Curiosamente, diz o estudo, as emissões de gases de efeito estufa em 2014 no País permaneceram estáveis em relação ao período anterior, apesar da queda de 18% na taxa de desmatamento na Amazônia. O Brasil emitiu 1,558 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente – uma redução de 0,9% em relação a 1,571 bilhão de toneladas emitidas em 2013. As razões ainda não foram explicitadas.

É possível que mais à frente os cientistas se deparem com dificuldades diante das taxas de desmatamento na Amazônia entre 2014 e 2015, que aumentaram 24%, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe (amazonia.org, 27/9). São dados a serem divulgados pelo Ministério do Meio Ambiente na primeira semana de outubro.

De agosto de 2014 a junho de 2015 foram desmatados 6.207 quilômetros quadrados, ou 6,45% acima do estimado em fins de novembro. Os Estados que mais desmataram, pela ordem, foram Pará, Mato Grosso e Rondônia. Uma das hipóteses é a de que os sistemas de controle já não funcionem com a mesma eficácia – embora haja diferenças entre alguns Estados e outros.

Uma revisão recente realizada pelo Inpe mostra que a perda florestal, com base nos dados de 2015, é de 6.207 quilômetros quadrados, quando em novembro se calculava em 5.835 km2 (16% mais que em 2014). O novo número é 4,1 vezes a área da cidade de São Paulo (Observatório do Clima, 27/9). Um exemplo mais das altas taxas de desperdício de patrimônios valiosos.

Há poucos dias foram publicados (Folha de S.Paulo, 26/9, texto de Leão Serva) dados sobre o desperdício num setor como o de veículos. Segundo o texto, “a propaganda de carros continua oferecendo virilidade e glamour, enquanto entrega congestionamento, estresse, doenças e aquecimento global”. E por isso mesmo “metade dos moradores da maior cidade do Brasil buscam jeitos de usar menos o automóvel”, diante das “irracionalidades deste: gasta cerca de 95% do combustível para ‘levar a si mesmo’; um veículo médio pesa cerca de 1,5 mil quilos, o motorista 75 kg (5%); e os carros levam geralmente só uma pessoa: quer coisa mais irracional?” E segue “o desfile de irracionalidades”: o carro só é usado para rodar 20 km diários; a desvalorização é rápida; são altos os custos com IPVA obrigatório, seguro, manutenção – um total de 10%, fora a desvalorização de 20%. Ainda é possível falar em incentivos fiscais. E outro estudo assegura que a gasolina deveria custar cinco vezes mais que seu preço.

Para quem achar que são os únicos desperdícios, depois de não ter êxito na venda de suas empresas de energia térmica (altamente poluidoras) a Petrobrás está tentando agora (Folha de S.Paulo, 27/9) agrupar todas as unidades numa única empresa, “para oferecer depois uma participação a outro investidor”. O plano prevê investimentos de US$ 74,1 bilhões nos próximos cinco anos e estabelece nova metade vendas de ativos, de US$ 19,5 bilhões entre 2017 e 2018. Nesse processo, deixará de atuar nos segmentos de petroquímica, fertilizantes e biocombustíveis. Mas continuará com a energia térmica, “para usar quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas estiver baixo”.

Mais desperdício? A Fundação Getúlio Vargas mostra que “46% das 851 obras contratadas com recursos do FGTS no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não foram concluídas, estão paralisadas” ou nem sequer foram iniciadas (Danielle Nogueira, O Globo, 26/9). Dos R$ 28,6 bilhões em financiamentos, R$ 17,5 bilhões foram para 398 contratos cujas obras estão pendentes.

Desmatamento, destinação do lixo sem nada pagar ao poder público, nenhum pagamento de custos pela poluição do ar, etc., etc. – assim vamos, desperdiçando sem cobrar custos. O poder público paga, transfere para quem não tem poder. 

* Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).

Fonte: Envolverde

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