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sábado, 5 de novembro de 2016

A história em preto e branco em dois cemitérios de Georgetown

Este é o conto de duas cidades dos mortos. Dois cemitérios históricos lado a lado em Georgetown, separados apenas por uma estrada de terra, uma cerca enferrujada de correntes e dois séculos de história racial.


De um lado fica Oak Hill, uma encosta verdejante, repleta dos túmulos bem cuidados de congressistas, editores e membros da classe política que são, com raras exceções, brancos. Do outro lado ficam o Mount Zion e o Female Union Band Society Cemetery. Ali, túmulos quebrados se acumulam em pilhas enormes sobre as pessoas enterradas ali, em sua maioria escravos, homens libertos e cidadãos negros.

¿Muita gente diz que `A morte reflete a vida, pois as duas não podem ser separadas¿¿, afirmou Vincent deForest, ativista dos direitos civis e preservador que luta desde o início dos anos 1970 para resgatar o Mount Zion. Recentemente, para destacar a imortalidade da desigualdade, ele estava no cemitério negro, apontando para o branco.

¿Aqui temos uma demonstração clara disso¿.

DeForest entende disso melhor que quase todo mundo. Ele atuou como presidente da Afro-American Bicentennial Corp., que promoveu o envolvimento de minorias nas comemorações do bicentenário em 1976, e mais tarde foi assistente do diretor do Serviço de Parques Nacionais, ajudando a colocar o cemitério e dezenas de outros espaços relevantes para os afro-americanos no Registro Nacional de Locais Históricos, em uma época em que não havia quase nenhum.

Quase meio século depois, esses esforços viraram um estudo de caso da dificuldade de preservar a história dos negros, mesmo em uma capital com maioria de afro-americanos, onde o Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana foi aberto em setembro com grande alarde.

¿Esse era um lugar importante para Georgetown e os negros da cidade. Estrategicamente, ele foi apagado¿, afirmou Dr. Thornell Page, desenvolvedor que trabalhou ao lado de deForest.

Agora, eles esperam que a restauração do Mount Zion sirva de modelo para locais igualmente negligenciados em todo o país, tornando-se um pequeno monumento ¿ao que ocorreu com os negros nos Estados Unidos¿, afirmou Page.

DeForest estima que existam entre 500 e 1.500 pessoas, incluindo brancos, enterradas em Mount Zion, habitantes de uma Georgetown antiga, que era muito mais negra e mais industrial que a de hoje.

O cemitério era tecnicamente dividido em dois, com menos de dois terços de hectare cada, unidos pela negligência mútua. Contudo, a linha divisória não é mais visível.

A leste fica o Cemitério de Mount Zion, que recebe o nome da mais antiga congregação negra da cidade, a Igreja Metodista Unida de Mount Zion, fundada em 1808 por uma igreja que precisava de lugar para colocar o resto dos fiéis e os escravos. A oeste fica o Female Union Band Society Cemetery, fundado em 1842 por uma sociedade beneficente de mulheres negras libertas.

Atualmente, apesar de pertencerem a grupos diferentes, os cemitérios são geridos pela mesma instituição e geralmente ambos são chamados de Mount Zion pelo público.

O cemitério provavelmente fazia parte da Underground Railroad. Acredita-se que escravos fugidos se escondiam em uma estrutura de tijolos construída em uma das encostas da montanha para manter corpos que esperavam para ser enterrados depois da primavera. A partir dali, os escravos fugidos podiam descer algumas centenas de metros até chegar a Rock Creek, uma rota ao longo do Rio Potomac, a caminho do território livre da Pensilvânia.

Enterros mistos chegaram ao fim no cemitério depois dos anos 1850, quando Oak Hill ficou pronto e os descendentes exumaram os restos mortais de muitos brancos para enterrá-los no novo cemitério.

Após a Guerra Civil, o Mount Zion virou um pasto para os cavalos da Washington¿s Metropolitan Railroad, apesar de continuar realizando novos enterros. Ao longo do século seguinte, o cemitério caiu no esquecimento, assim como a população negra de Georgetown, que se viu cada vez mais marginalizada à medida que o bairro era gentrificado e se convertia em uma área reservada para as classes abastadas. Atualmente, menos de cinco por cento dos habitantes de Georgetown são negros.

Enquanto os descendentes dos mortos enterrados em Mount Zion se espalhavam por Georgetown, o cemitério se convertia em uma ilha remota em uma mar de brancos. O último enterro foi realizado em 1950. Em 1953, Mount Zion estava tão abandonado que o departamento de saúde pública da cidade ordenou que ele fosse fechado. Nos anos 1960s, construtores estavam de olho no terreno e um juiz da cidade, a pedido dos donos do cemitério, permitiu que os corpos fossem exumados.

E esse era basicamente a situação quando deForest se envolveu no caso.

¿Não dava nem para ver as lápides quando cheguei – nenhuma delas. Espinheiros, árvores e erosão haviam escondido tudo¿, afirmou deForest.

Com a ajuda do seu grupo e o apoio da igreja de Mount Zion, voluntários de escolas e faculdades de toda a cidade limparam o terreno. Túmulos afundados fora preenchidos e as lápides foram realocadas. Depois, traçaram planos para uma restauração completa e talvez um museu.

Mas, então, o projeto foi interrompido em meio a disputas legais e falta de financiamento.

Atualmente, o cemitério continua acessível por meio de um estacionamento que fica atrás de um prédio de apartamentos e é conhecido por todos na cidade. Muitas das lápides feitas com pedras de boa qualidade foram roubadas, lixadas e revendidas. Em 2012, a Liga de Preservação colocou o cemitério na lista dos locais em risco de desaparecer.

Um plano de restauração e preservação desenvolvido no ano passado quer melhorar a situação, instalando controles de erosão e realizando outros reparos no local. Ele também destaca o potencial de incorporar as lápides restantes em algum tipo de memorial, onde os visitantes possam aprender e refletir. Até o momento, há pouco dinheiro disponível para realizar as ambições do grupo.

¿É uma oportunidade de criar um lugar que possa ser um símbolo dos negros que constituíram uma parte importante do desenvolvimento dessa comunidade¿, afirmou Alicia deForest, de 47 anos, filha de Vincent deForest, que tem se responsabilizado cada vez mais pelo projeto. Ela conta agora com a ajuda da profissional em angariar fundos, Carrie Hull, que afirmou que o projeto exigiria milhões de dólares e anos para ser finalizado.

DeForest, de 80 anos, afirmou que já aceitou há muitos anos a dificuldade de ser defensor de um grupo duplamente marginalizado: pela morte e pela cor da pele.

¿Eu vim do movimento pelos direitos civis. As coisas não aconteceram da noite para o dia. Tudo exige esforço. Precisamos convencer muita gente da importância da causa¿, afirmou deForest.

Há muitos anos, deForest encontrou uma placa de papelão presa a uma árvore próxima à estrada de terra que divide Mount Zion e Oak Hill com um poema anônimo. A poucos metros do local em uma manhã recente, ele recitou o poema de memória.

¿Duas cidades que o mundo dividiu,/como Buda e Pest.

Aqui, entre as duas não há rio,/é a cor que faz o teste.¿

Por Nicholas Fandos

Fonte: Zero Hora

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