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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A eterna catástrofe ambiental argentina

É possível investir US$ 5,2 bilhões para reverter a contaminação de um rio de apenas 64 quilômetros e praticamente não se obter resultado? A Argentina está demonstrando que sim.
Essa quantia é a que, segundo reconheceu o governo no final de 2016 perante a Suprema Corte de Justiça do país, o Estado destinou desde julho de 2008 à recuperação do Riachuelo, o rio que margeia a cidade de Buenos Aires pelo sul e que é apontado como um dos piores exemplos de contaminação industrial na América Latina e no mundo.

No entanto, em essência, a situação continua sendo a mesma desde meados do século 19, quando as notícias já descreviam o estado de putrefação desse curso de água. Hoje, estima-se que cerca de oito milhões  de pessoas vivem na bacia, em grave emergência sanitária e ambiental. “O Riachuelo continua cumprindo a mesma função de desaguadouro das atividades econômicas e humanas da cidade de Buenos Aires e de grande parte do Conurbano, como nos últimos 200 anos”, pode-se ler em um informe da Autoridade da Bacia Matanza Riachuelo (Acumar), o órgão oficial encarregado de sua limpeza.

A IPS teve acesso ao relatório, de mais de 200 páginas, apresentado pela Acumar à Suprema Corte, no dia 30 de novembro. “Não só está altamente contaminado, como continua sendo contaminado”, acrescenta o documento, explicando que atualmente são lançadas nas águas cerca de 90 mil toneladas anuais de metais pesados e outras substâncias prejudiciais.

Com o nome de Matanza, o rio nasce na província de Buenos Aires, atravessa 14 municípios e depois marca o limite sul da capital argentina, já com a denominação de Riachuelo, até sua desembocadura no rio da Prata, bem perto do estádio de futebol do Boca Juniors. Suas margens começaram, na época da colônia espanhola, a receber locais para salgar carnes de mulas ou ovelhas e curtumes onde se trabalhava com a pele de bovinos.

Lançar os dejetos no rio se converteu em uma prática habitual, que o transformou em uma verdadeira cloaca a céu aberto, e isso continuou com indústrias mais modernas, como petroquímicas e frigoríficos. Nas últimas décadas, foram muitas as promessas oficiais de limpar o rio. Aquela da qual os argentinos mais se lembrem talvez seja a de María Julia Alsogaray, secretária de Ambiente do presidente Carlos Menem (1989-1999), que anunciou que faria a limpeza em apenas mil dias. Entusiasmado, o próprio Menem declarou que, uma vez terminada a tarefa, ele nadaria no Riachuelo.

Entretanto, o rio continuou sendo foco de doenças para a população, Menem se absteve de nadar para cuidar de sua saúde e Alsogaray acabou presa por corrupção. Parecia que essa história poderia começar a mudar em julho de 2008. Pelo menos foi no que acreditou a comunidade ambientalista do país, que nesse momento qualificou de maneira unânime como “histórica” a sentença da Suprema Corte ordenando às autoridades nacionais, provinciais e da capital que limpassem o rio.

A resolução se baseou em um artigo incorporado à Constituição do país em 1994, que garante a todos os habitantes do país viver em “um ambiente saudável”. Entretanto, os escassos progressos alcançados nesses últimos anos ficaram cruamente expostos na audiência realizada em 30 de novembro no tribunal. Nesse dia, o presidente da Suprema Corte, Ricardo Lorenzetti, especialista em ecologia – e que no ano passado foi premiado pela Organização de Estados Americanos (OEA) como embaixador da Boa Vontade para a Justiça Ambiental –, não escondeu sua decepção.

Durante essa audiência, a diretora operacional da Acumar, Gabriela Seijo, destacou que, por exemplo, até agora foram construídas apenas 3.147 das 17.771 moradias planejadas para reassentar as famílias que vivem com maior exposição à contaminação. “Se continuarmos nesse ritmo terminaremos em 2036”, afirmou. Diante desse cenário, o ministro de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, rabino Sérgio Bergman, tentou jogar a responsabilidade sobre os governos de Néstor Kirchner (2003-2007), que era presidente quando foi criada a Acumar, e de sua viúva e sucessora, Cristina Fernández (2007-2015), no cargo quando o tribunal emitiu sua sentença.

“O estado que encontramos foi desolador. Não só porque o Riachuelo estava degradado e contaminado igual ou pior do que na época da sentença, mas porque também a ferramenta para saneá-lo, a Acumar, não estava em condições de poder cumprir a ordem judicial”, pontuou Bergman à Suprema Corte. Mas o governo de Mauricio Macri, no poder desde dezembro de 2015, e o próprio Bergman, já cumpriram o primeiro ano no governo e não conseguiram avançar nos objetivos da Acumar, um órgão com 900 empregados, muitos deles incorporados em 2016.

Segundo foi informado, foram realizadas 34.759 inspeções em indústrias e ocorreram 57 fechamentos, mas todos de escassa duração e sem um impacto ambiental relevante. Segundo a Acumar, atualmente vivem na bacia seis milhões de pessoas, pelo menos 10% em cerca de 60 assentamentos precários. “É certo que a gestão da Acumar nunca foi boa. Mas este último ano foi o mais desastroso de todos. Tanto que seu presidente nem mesmo se apresentou à audiência na Suprema Corte”, indicou à IPS o advogado Andrés Napoli, presidente da Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN), uma das cinco organizações não governamentais designadas pelo tribunal para controlar o cumprimento da sentença.

Efetivamente, Julio Torti não foi à audiência de novembro, e poucos dias depois da infeliz apresentação de outros funcionários do órgão, apresentou sua renúncia. O presidente Macri nomeou para seu lugar a então deputada Gladys González, da governante coalizão de centro-direita Mudemos, conhecida por seus antecedentes em matéria ambiental.

Napoli contou que, depois da audiência, apresentou à Acumar um pedido de informações para que explique como foram gastos os US$ 5,2 bilhões e anunciou que, se a resposta não for satisfatória, apresentará uma denúncia penal para que sejam investigados possíveis atos de corrupção. “Apenas foi limpo um pouco das margens do rio e retirados muitos barcos que estavam afundados há décadas”, ressaltou à IPS o diplomata Raúl Estrada Oyuela, membro da Associação de La Boca, o emblemático bairro de Buenos Aires onde o Riachuelo conflui com o rio da Prata.

“Mas não há vontade política em atacar o problema central, que é a contaminação da água, do solo e do ar, porque isso implicaria mexer nos interesses das indústrias, que naturalmente seriam obrigadas a fazer grandes investimentos se fossem forçadas a aderir a um processo de produção limpa”, enfatizou Estrada, que conta com prestígio internacional em temas ambientas e foi presidente do comitê que, em 1997, deu vida ao Protocolo de Kioto sobre mudança climática. 

Fonte: Envolverde

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