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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Na Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, no Acre, moradores dão exemplo de uso sustentável dos recursos naturais

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) Bolsa Verde, do Ministério da Educação em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), completa três anos em 2017. Na Reserva Extrativista do Cazumbá-Iracema, no município de Sena Madureira, no Acre, mais de 350 pessoas concluíram 15 cursos em 2016.


O Pronatec Bolsa Verde capacita moradores de áreas inseridas no Programa Bolsa Verde em atividades que contribuam para a elevação de renda e o uso sustentável dos recursos naturais. O Bolsa Verde atende a população em situação de extrema pobreza, que vive em unidades de conservação e assentamentos ambientalmente diferenciados, com o incentivo de R$ 300 a cada três meses.



Segundo o mestre farinheiro da Resex do Cazumbá-Iracema, Jair Gomes da Silva, os cursos do Pronatec Bolsa Verde ensinaram as pessoas a viver dentro da floresta produzindo de forma sustentável. “A pessoa tinha até vontade, mas não tinha conhecimento. O curso nos deu isso: sobreviver aqui dentro sem desmatar”, diz. A Resex tem, atualmente, pouco mais de 1% de área desmatada, segundo dados do Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio).

Jair destaca o caráter educativo dos cursos inclusive em relação à alimentação. “As pessoas aprenderam a valorizar e comer o que tem aqui. Deixar o refrigerante e trocar por um suco natural. Pegar uma fruta e fazer um suco, um doce. Uma castanha, e fazer leite, óleo”, conta.

O empreendedor fez o primeiro curso de melhoramento do processamento de farinha de mandioca em 2004, por uma parceria do ICMBio com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater). De lá para cá, aprimorou a qualidade e a forma de fazer a farinha e já multiplicou seu conhecimento para 14 turmas na Resex. “Trabalho com farinha e tenho orgulho. É o meu sustento. É um alimento que é consumido cru e puro. Por isso, é preciso muito cuidado e higiene”.

Jair criou uma farinha com castanha-da-Amazônia que é um dos produtos de maior sucesso da reserva, vendida a R$ 250 a saca de 50 quilos – mais que o dobro da farinha comum. “O valor dela é agregado. Você trabalha menos, desmata menos e seu lucro é maior”.O analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e gestor da Resex do Cazumbá-Iracema, Tiago Juruá, nota que os cursos técnicos mudaram a vida das pessoas. “As famílias estão aprendendo a melhorar e diversificar a produção, melhorando assim a segurança alimentar e também a renda”.

Considerando o exemplo da farinha, ele explica que a renda das famílias aumentou, com menos trabalho e menos área plantada – ou seja, menor necessidade de conversão de áreas de floresta para “roçado”. “Menos trabalho significa mais tempo para fazer outras coisas, como jogar futebol, pescar, ficar com a família e descansar”, ressalta.

O líder comunitário e presidente da Associação dos Seringueiros do Seringal Cazumbá, Aldeci Cerqueira Maia, conhecido como Nenzinho, tem hoje 54 anos e, há 37, está envolvido com a organização comunitária. Ele adotou um bigode em homenagem ao líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes. “Manter o modo de vida das populações tradicionais garante a manutenção da floresta em pé. Se não valorizarmos os produtos tradicionais e apoiarmos as comunidades na expansão do conhecimento, eles vão acabar saindo da reserva. E se eles saem, a floresta fica entregue a outros”, alerta.

O professor Leilson Ferreira Gomes, engenheiro florestal e doutorando em geociências na Universidade de Brasília (UnB), diz que aprendeu mais nos cursos, do que ensinou. “O conhecimento tradicional é muito valioso, os acadêmicos só têm a aprender”. Leilson passou temporadas com as comunidades mais isoladas da Reserva Extrativista, viajando até nove horas de canoa para chegar até elas. Muitos de seus alunos são analfabetos e, ainda assim, conseguiram acompanhar o curso. O ICMBio orienta que os ensinamentos sejam trabalhados através da oralidade, com muita aula prática.

PLANEJAMENTO

O estudante e agricultor orgânico Daian dos Santos Silva, 25 anos, dá ênfase ao que aprendeu em seis cursos: planejamento. “Antes a gente trabalhava da forma que tínhamos aprendido com os nossos pais. Agora, a gente planeja, se organiza. Trabalha menos e ganha mais”, conta. Daian pretende fazer a prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) no final deste ano e cursar a faculdade de Direito na Universidade Federal do Acre (Ufac).

Muitos dos professores do Pronatec Bolsa Verde são filhos da floresta, estudam e voltam para ensinar o que aprenderam a outros produtores. A professora Janelda Nascimento de Lima (foto abaixo), tecnóloga em Gestão Ambiental e pós-graduada em Geoprocessamento, cresceu na comunidade Murumba, vizinha à Resex, estudou em Rio Branco e voltou à sua comunidade para lecionar.

“Estou muito feliz, satisfeita pelo dever cumprido”, diz. Ela ministrou o curso de operador de processamento de frutas e hortaliças. Incentivou uma alimentação mais saudável, com os produtos locais, e trouxe uma alternativa de renda para as famílias por meio de doces, compotas e conservas.

Elínio Maia Soares, liderança jovem da comunidade do Cazumbá, é o coordenador do grupo do açaí, formado após o curso de açaicultor ofertado pelo Pronatec Bolsa Verde, em 2014. Em 2015, esse grupo passou a trabalhar na agroindústria de polpa de frutas, construída com recursos de uma parceria entre o ICMBio e o Serviço Florestal Americano.

“No curso, aprendemos boas práticas de colheita, debulha, transporte e beneficiamento do açaí. Agora, temos a estrutura e os equipamentos adequados para produzir a polpa de açaí. Tudo isso melhora a qualidade do produto e assim podemos ter uma renda melhor, sem agredir a floresta”.

CLIMA AGITADO

O seringueiro e artesão Jilberto Miranda Maia (foto abaixo), 54 anos, descobriu que o artesanato é um grande parceiro da conservação. “Faço a fauna da região completa em borracha, moldada a mão”. Tatu, jabuti, onça e outros animais ganham forma a partir de uma massa feita de látex, chamada de seringa por eles, com serragem e limão – para coalhar a borracha.

“Sabemos que o nosso clima hoje está muito agitado. O seringueiro antes trabalhava no roçado sem nenhum problema. Hoje, você trabalha até às nove horas da manhã e está morrendo”, diz Gilberto. “Por isso, é tão importante manter a mata em pé”.

Raimundo Nonato Soares (foto abaixo), também seringueiro, aproveitou os cursos do Pronatec para valorizar ainda mais a floresta. “Como nascemos aqui, conhecemos árvore por árvore. Sabemos as que nos alimentam e, aos animais. A floresta é vida, ela é quem nos dá a água, quem nos dá o ar”.

Com os cursos, Nonato conta que aprendeu a usar os produtos da mata não só para o consumo próprio e imediato. “O açaí, por exemplo, é um produto que a gente usa desde os nossos pais e avós, preparado sempre de modo artesanal. Hoje, já temos uma agroindústria e podemos vender para o comércio local, tendo a possibilidade de tirar uma renda bem melhor”.

A esposa de Nonato, Leonora Siqueira Maia, conhecida como Nói, é coordenadora do grupo de artesanato da Reserva, que produz peças decorativas em látex, com formato de folhas de árvores amazônicas. As peças, confeccionadas em diversas cores, são muito procuradas para decoração de espaços e ambientes. Devido à sua maleabilidade e resistência a altas temperaturas, servem também como descanso de prato (sousplat) e de panela. Já foram expostas em feiras nacionais e internacionais, além terem decorado a mesa de café da manhã do programa Mais Você, apresentado por Ana Maria Braga.

Além do Pronatec Bolsa Verde, a Resex conta com outros projetos importantes. O Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) desenvolve em parceria com o ICMBio o trabalho de monitoramento participativo da biodiversidade local. Ilnaiara Sousa, bióloga contratada pelo IPÊ, conta com o auxílio de monitores comunitários da biodiversidade, como Francisco de Souza Carvalho, morador e conselheiro representante da comunidade no Conselho Deliberativo da Reserva. Ele diz que é fundamental estudar para aprender a conservar.

“Você só preserva quando sabe o que tem, então, é importante a comunidade conhecer os produtos da mata. Estamos identificando as espécies mais comuns e as menos, para montar um plano de conservação”, conta Francisco. Ele participou do curso de operador de computador oferecido pelo Pronatec Bolsa Verde.

LIDERANÇAS

Outro projeto importante que aconteceu na Resex do Cazumbá-Iracema foi o curso de formação de lideranças, com duração de mais de um ano, apoiado pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa). “Como liderança, temos que saber lidar com as dificuldades e valorizar o nosso território. Sem floresta, não há vida”, diz Suzana Queiroz da Silva, 20 anos, conselheira do Conselho Deliberativo da Reserva.

O projeto de formação de novas lideranças foi coordenado pelo professor e historiador César Felix. “Vemos a necessidade de que novas lideranças sejam formadas para assumirem as responsabilidades desempenhadas até o momento pelos mais velhos”. Ele destaca, porém, o caráter geracional do projeto. “A formação de lideranças é um processo contínuo, que leva uma geração inteira. Um curso apenas não resolve”.

Nas aulas, foram trabalhadas as histórias dos povos da floresta, do Acre, da conquista das reservas extrativistas e dos heróis brasileiros, com o objetivo de fortalecer a identidade dos moradores da Resex. O curso também abordou temas como biodiversidade, agroecologia e educação para a floresta.

O projeto também possibilitou a realização de intercâmbios com outras comunidades para que as jovens lideranças conhecessem de perto produções agroecológicas, o cultivo de orgânicos, sem queimadas ou agrotóxicos, e a gestão comunitária de empreendimentos. Entre os locais visitados, estão a aldeia indígena Apurinã, de Boca do Acre, no Amazonas, assentamentos e empreendimentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, em Santa Catarina, e o projeto RECA (Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado), em Rondônia, que é uma referência na Amazônia.

RECONHECIMENTO

No dia 10 de fevereiro, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, esteve na Resex do Cazumbá-Iracema com o governador do Acre, Tião Viana, para entregar 200 certificados de conclusão de cursos do Pronatec Bolsa Verde. Também participaram da solenidade o presidente do ICMBio, Ricardo Soavinski, a secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA, Juliana Simões, e o secretário Estadual de Meio Ambiente, Carlos Edegard de Deus.

Na abertura da solenidade, alunos do professor Leilson Ferreira Gomes apresentaram esquete teatral escrita, dirigida e encenada por eles durante o curso de administrador de empreendimentos florestais. Logo depois, alunos do professor César Felix surpreenderam os presentes declamando, da plateia, trechos do poema Matança, de Antônio Jatobá.

A secretária Juliana Simões destacou que o programa Bolsa Verde reconhece o papel de cada um na conservação ambiental. Soavinski lembrou que a Resex Cazumbá-Iracema é exemplo entre as unidades de conservação, reconhecida pelo Tribunal de Contas da União como uma das dez unidades de conservação da Amazônia com alto grau de gestão e implementação.

O ministro Sarney Filho afirmou que, na Resex do Cazumbá-Iracema, não existe a conservação apenas da natureza, mas também, da cultura. “Esse é o caminho para o desenvolvimento sustentável e para melhorar a qualidade de vida das pessoas da Amazônia”, destacou.

A RESERVA

A Resex do Cazumbá-Iracema é gerida pelo Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio) em parceria com representantes da comunidade e da sociedade civil organizadas. Para a realização dos cursos do Pronatec Bolsa Verde, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Acre (IFAC) e o Instituto Dom Moacyr (IDM) foram os órgãos executores do programa.

Cerca de 350 famílias residem na unidade de conservação de 750 mil hectares, com 84 famílias beneficiárias do programa Bolsa Verde. As principais atividades produtivas são o extrativismo da seringa, da castanha-da-Amazônia, do açaí e da copaíba. O plantio da mandioca para produção de farinha também é uma prática comum das famílias extrativistas. Criada em 2002, a Reserva completará 15 anos.

Fonte: EcoDebate

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