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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

As tensões e os riscos na base da pirâmide, artigo de Washington Novaes

Muito se tem dito e escrito sobre a onda de protestos que varreu o Brasil nos últimos meses. Uma conclusão quase unânime é a de que a surpreendente mobilização de milhões de pessoas em toda parte ocorreu por meio das chamadas redes sociais, desligadas de partidos ou movimentos políticos, mas incluindo aspirações diversificadas – que se informam e atuam pela internet. Adicionalmente, mostrou-se que a imensa maioria dos manifestantes estava entre 15 e 29 anos. Pesquisa do Ibope publicada por este jornal (25/8) pode reforçar a visão de que a maioria dos jovens, e até mesmo das pessoas em geral, não tem objetivos políticos claros e definidos – tanto que só 7% disseram considerar-se “bem informadas” e saber do que se trata ao discutir o tema “reforma política”, nada menos que 52% se declararam “nada informadas” e 34%, “pouco informadas”.

Em recente edição da revista New Scientist (20/7), o competente editor Fred Pearce acrescenta um tempero novo ao molho, que pode levar a conclusões e direções surpreendentes. Pierce afirma que a estrutura de idade de uma população, que vem mudando rapidamente em quase toda parte, pode afetar um país de formas ainda pouco pensadas. E isso se aplica inclusive aos países da Primavera Árabe (Tunísia, Líbia, Egito e outros). Também pode ajudar a entender fenômenos sociais em outros lugares, como a crise política na Grécia e no Sul da Europa. E tudo parece envolvido: a educação, a urbanização, as infraestruturas, tudo, Mas é muito difícil saber qual é a contribuição efetiva de cada área para a mobilização das diferentes forças que moldam o país.

A maior atenção aos problemas da saúde, que reduziu fortemente a mortalidade infantil nos países fora do mundo industrializado, assim como a redução do número de filhos têm alterado significativamente a chamada pirâmide demográfica. Que deixa de ter o formato tradicional – base larga que se vai afinando – e se aproxima de uma figura mais uniforme ao longo dos anos. Com isso cresce muito a proporção de jovens adultos na população. Isso já ocorreu há algum tempo nos países industrializados da Europa e da América do Norte, mas já está presente em boa parte dos países fora desse mundo. E se os governos não atenderem às necessidades específicas desse contingente de jovens adultos, a transição demográfica pode traduzir-se em insatisfação generalizada. Henrik Urdal, do Instituto Internacional Pesquisa da Paz, de Oslo, que é citado, escreveu em relatório para a ONU que “um jovem empobrecido pode ser tanto um possível integrante de grupos armados como uma pessoa frustrada com a exclusão econômica e política”. E como é crescente a proporção de jovens adultos nessas sociedades, pode ser criadora de muitas tensões.

Analisando conflitos internos em 175 países desde a segunda metade do século 20, Urdal concluiu que, “a cada ponto porcentual mais de jovens na população, comparados com a ‘população adulta’, o risco de aumento dos conflitos sobe 4%”. E quando esses jovens superam em 35% todos os adultos, o risco de conflitos de interesses é 150% maior (International Studies Quarterly, volume 50, página 607). Essa taxa persiste mesmo quando melhoram a situação econômica e as práticas da democracia. Na mesma direção, Richard Cincotta, pesquisador que hoje assessora o National Intelligence Council, do governo norte-americano, conclui que em países com mais de 40% da população adulta entre 15 e 29 anos a possibilidade de conflitos civis é o dobro da que se registra em sociedades mais estabilizadas.

A possibilidade efetiva em direção problemática está na falta de empregos. Pode acontecer em lugares como o Afeganistão, onde os jovens adultos são mais de 50% da população adulta total. Nações “idosas são menos turbulentas”, diz Urdal. China e Cuba são exceções. Mas as nações de idosos também caminham para situações complicadas. Como a Itália, por exemplo, onde a aposentadoria de um idoso é paga por 13 pessoas empregadas. Ou a Alemanha, com alta população de idosos.

Resta olhar para o nosso terreiro, onde também cresce muito rapidamente a fatia de jovens adultos – mais de 50 milhões entre 15 e 29 anos – na população total, graças à redução das taxas de natalidade (já abaixo da taxa de reposição, de dois filhos por mulher em idade fértil) e da mortalidade infantil (mais de 50% em dez anos). Serão decisivas nos tempos à frente as taxas de emprego/desemprego da população jovem, quando esta não cessará de crescer – até 2027, segundo Fábio Giambiagi, em artigo neste jornal (22/9/2012). Mas no geral a situação do emprego preocupa, já que em julho tivemos os piores números de dez anos em matéria de trabalhadores com carteira assinada. E a geração de empregos nesse mês (41,4 mil) caiu 77,7% em relação a julho de 2012 (183,9 mil).

Na faixa de 17 a 22 anos, 15,9% não trabalham nem estudam, 19,1% trabalham e estudam, 25% só estudam e 40% só trabalham, segundo o IBGE (novembro de 2012). Até 2023, só a população entre 15 e 24 anos terá mais de 33 milhões de pessoas. Sua possibilidade de emprego é menor que a taxa geral. Tanto que o desemprego entre os jovens, em dez anos, caiu 41,6%, enquanto a taxa geral baixou 53,8% (IBGE, 11/8). E segundo o ministro do Trabalho, Manoel Dias, a avaliação mensal do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados indica que “houve uma perda de dinamismo no mercado” (FP, 21/8).

Portanto, precisamos de atenção. Não houve mudança no quadro da população jovem, seus caminhos de informação, seus formatos de manifestação – em que também preocupam grupos minoritários, muito atuantes, que recorrem à violência. Nem há indícios de que tenhamos novas propostas políticas e novos caminhos de governo, capazes de atender às aspirações dessa nova parte da “pirâmide demográfica” e de afastar os riscos para os quais os estudiosos estão apontando.

*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

Fonte: EcoDebate

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