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terça-feira, 5 de maio de 2015

O uso das drogas como ‘estratégia’ para a felicidade contemporânea, artigo de Daniel Clemente

Os mais próximos se distanciam do cotidiano dizendo e orientando, parentes sem a familiaridade com a realidade citam exemplos desastrosos, a televisão que distorce a imagem transforma a decadência do indivíduo em reportagem sensacionalista, nas escolas a cidadania estatal dita a regra moral e cívica descompromissada com a prática governamental, o positivismo da ordem e do progresso se desfaz diante do caos e do subdesenvolvimento.


Durante décadas, as práticas de combate e controle ao uso de drogas ilícitas e legalizadas demonstraram uma ineficácia vergonhosa, desprendida dos verdadeiros motivos que levam milhares de pessoas a buscar a dopagem voluntária.

Os cientistas apontam todas as substâncias tóxicas que contém cada tipo de droga, os médicos mapeiam o corpo humano demonstrando os caminhos devastados pelo uso dos entorpecentes, psicólogos apontam as fraquezas do presente para a auto destruição, psiquiatras resgatam o passado encontrando alguma frustração do indivíduo. Todos os diagnósticos apontados não restringiram o crescimento constante dos usuários de drogas. Porém, o uso desmedido de bebidas alcoólicas e outras modalidades de drogas por um contingente cada vez maior pode ser explicado pelo conceito de alegria, uma obsessão característica da sociedade contemporânea que, nas mais variadas formas procura demonstrar uma felicidade individual plena, sem interrupções ou declínio do estágio emocional. Nas redes sociais virtuais, uma foto do ponto turístico tem mais valor do que o próprio turismo, o sorriso congelado menospreza o calor da vivência, os bons momentos são relatados como os melhores e impossíveis para qualquer outro indivíduo, a tristeza é omitida e assassinada ao público, sofrer sozinho é o destino dos felizes virtuais.

Para contribuir com este raciocínio faço uso do conceito de alegria desenvolvido pelo filósofo Espinosa. Para este, alegria se traduz na potência de agir, seja nas mais diferentes manifestações sociais, quanto mais potência mais alegria, ou seja, mais felicidade. Para exemplificar coloco um estudo de caso: Em uma festa, dessas que tocam músicas, a segregação do gênero sexual é rompida pela troca de olhares, antes em oposição territorial, agora homens e mulheres passam a demonstrar interesses em comum. Mesmo a percepção lhe dizendo que os corpos são desejantes, o rapaz se esquiva para iniciar uma conversa com a moça desejada, falta-lhe potência de agir. E para resolver este impasse, o rapaz faz uso de bebida alcoólica para quebrar a timidez, ou seja, foi buscar fora o que não tinha dentro, potência de agir, alegria de viver e confraternizar. Só que entre a falta de potência de agir e o uso externo da alegria, a garota desejada deixa a festa, acompanhada, o que faz com que a alegria ingerida pelo rapaz perca potência, e para solucionar este caso somente com mais doses de alegria alcoólica. Veja, o indivíduo entra em um círculo falso de alegria e dependência de felicidade externa: falta de potência de agir – uso externo de alegria através da bebida alcoólica – falsa alegria conquistada – queda da potência – uso excessivo de bebida para reconquistar a alegria – dependência alcoólica para ser feliz.

Muitos buscam no uso das drogas a alegria que não possuem dentro de si, gêneros musicais incentivam o uso de bebidas alcoólicas como fonte de felicidade, omitindo que são financiados pelas indústrias que as produzem. A sociedade do consumo impõe a ditadura da felicidade, que deve ser conquistada a qualquer preço e todo momento. Sendo que a alegria somente é perceptível na oscilação de seu estado emocional, se a mesma fosse ininterrupta não seria possível percebê-la, viveria um estado contínuo de humor que com o tempo passaria a ser monótono. Porém, a indústria química vende a ideia da felicidade contínua, que para muitos pode ser alcançada por uso de drogas.

O maior combate que pode ser feito contra as drogas é a busca pela alegria interna, potência de agir, felicidade pela vida do jeito que se coloca a sua frente. Cada pessoa pode encontrá-la dentro de si, nas mais variadas formas, sem o uso externo de um falso estimulador de alegria. Sem se deixar levar pelos estereótipos financiados pela indústria, que exalta o uso de entorpecentes, cada indivíduo é o maior espectador de si mesmo, e deve encontrar os caminhos que o levarão para viver os instantes de felicidades reais, encontrando-os dentro de si e manifestando-os em sua sociabilidade.

Daniel Clemente
Professor de História e Sociologia
Colégio Adventista de Santos

Fonte: EcoDebate

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