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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Presença de cafeína em água tratada é indício de contaminação, diz estudo

A escassez e o risco de racionamento não são os únicos problemas que parte dos brasileiros enfrenta em relação à água.


O crescimento das cidades e o consequente adensamento populacional, aliados ao saneamento precário e a novos hábitos de consumo, têm contribuído para lançar nos mananciais (rios, lagos e depósitos subterrâneos) centenas de substâncias conhecidas como contaminantes emergentes (CE) resultantes das atividades humanas. Uma pesquisa recente, realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contribuiu para verificar a dimensão do problema ao estudar a presença de cafeína na água. Essa substância serve de indicador da existência de outras em sistemas de abastecimento público.

O pesquisador Wilson de Figueiredo Jardim, vice-coordenador do Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (Inctaa) e professor associado do Instituto de Química da Unicamp, é um dos autores do livro Cafeína em águas de abastecimento público no Brasil, lançado no ano passado. Ele explica que o termo “contaminante emergente” é abrangente e pode reunir mais de mil compostos. Além de não estarem previstas na legislação, essas substâncias apresentam em comum o fato de serem detectadas em vários tipos de ambientes o que aumenta a exposição humana a elas. “Estamos falando de fármacos prescritos ou não, drogas ilícitas, nanomateriais, produtos de higiene pessoal, repelentes de inseto, protetores solares, produtos de cloração e ozonização de águas, microrganismos, hormônios naturais e sintéticos, entre outros”, enumera. “Uma série de novas e de velhas substâncias que fazem parte da nossa rotina diária.”

Diante disso, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) declarou que este é um problema real e que merece a atenção dos governos para identificar fontes, rotas e receptores dos CE na natureza. De acordo com Jardim, já há numerosas evidências de animais silvestres, especialmente peixes, répteis e anfíbios, que vivem em locais com grande aporte de esgoto doméstico e possuem problemas de feminização, infertilidade e indefinição sexual. Isso ocorre porque, além dos hormônios naturais excretados no esgoto sanitário, há uma quantidade considerável de similares sintéticos provenientes principalmente da pílula anticoncepcional e da terapia de reposição hormonal. “Além disso, inúmeras moléculas como o bisfenol A e vários pesticidas clorados, dentre outros, podem confundir nosso sistema endócrino”, diz o pesquisador.

Altas cargas – O problema se agrava porque, segundo Jardim, é inviável legislar sobre centenas de compostos, um dos grandes desafios em termos de políticas públicas. Por isso, a comunidade científica trabalha na identificação de possíveis substâncias indicadoras, ou seja, um composto que possa apontar o risco da exposição a algumas classes de produtos. É aí que entra a cafeína, um excelente indicador por estar associado a compostos com atividade estrogênica que podem alterar o metabolismo hormonal do ser humano.

Segundo Jardim, a cafeína encontrada nos mananciais é quase toda oriunda do esgoto doméstico, porque é a bebida mais consumida no mundo depois da água. “Altas concentrações num manancial indicam que ele recebe altas cargas de esgoto sanitário”, explica. “Nas águas de abastecimento, uma desinfecção efetiva remove os indícios da contaminação fecal, mas a cafeína é um composto resiliente e, por isso, é uma impressão digital química. Podemos dizer que onde existe cafeína, embora nas concentrações encontradas ela não seja tóxica, há uma grande variedade de outros compostos que não são monitorados, mas que podem trazer algum impacto à saúde humana.”

No trabalho que coordenou, Jardim coletou 100 amostras de água tratada em 61 pontos espalhados por 22 capitais (cinco em Brasília; quatro em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife; três em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Vitória, Cuiabá, Manaus, Belém e Salvador; dois em Goiânia, Campo Grande, Porto Velho, Natal, São Luís, João Pessoa e Teresina; e um em Florianópolis e Palmas). Foram feitas coletas durante duas campanhas realizadas entre julho e setembro de 2011 e 2012. Porto Velho e Palmas tiveram amostras apenas na primeira, enquanto Campo Grande, Manaus, Belém, São Luís, Teresina e Salvador somente na segunda. As demais capitais foram estudadas nos dois períodos de amostragem, sendo que em São Paulo e no Rio de Janeiro houve alteração de pontos de coleta entre a primeira e a segunda campanha.

Situação grave – Segundo Jardim, os resultados mostraram o que de certa forma já era esperado. “Mas nós não tínhamos noção de quão grave era a falta de saneamento e suas consequências tanto na qualidade dos mananciais como na água distribuída à população”, diz. “Primeiro, constatou-se que os mananciais de superfície (rios e lagos) apresentam concentrações de cafeína da ordem de mil a 10 mil vezes maiores do que aquelas encontradas na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá e no Japão. Até mesmo as águas subterrâneas apresentavam concentrações mensuráveis de cafeína.” No cenário nacional, verificou-se que as condições não eram muito diferentes daquelas medidas no estado de São Paulo. Um dado curioso é que as capitais costeiras mostraram níveis menores de cafeína da água de abastecimento quando comparadas com as capitais interioranas. Isso se explica, segundo Jardim, pelo fato de que os emissários submarinos ou o simples descarte na orla de algum modo preservam os mananciais.

Entre as capitais estudadas, Porto Alegre foi a que apresentou a maior concentração de cafeína na água tratada para consumo humano, com um valor médio de 1.211 nanogramas por litro (ng/l), seguida de Campo Grande, com 900 ng/l. Além do consumo de mate em Porto Alegre, rico em cafeína, os mananciais das duas cidades estão muito impactados por esgoto. Entre as capitais com os menores índices médios estão Porto Velho (3,0 ng/l), Fortaleza (4,0 ng/l), Recife (5,0 ng/l) e São Luís (8,0 ng/l). Outras cinco cidades estudadas registraram concentração média entre 100 e 200 ng/l: Vitória (101 ng/l), Cuiabá (114 ng/l), Belo Horizonte (119 ng/l), São Paulo (121 ng/l) e Teresina (188 ng/l). 

Fonte: UOL

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