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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Amazônia: um lamento dos sem-árvore, artigo de Sucena Shkrada Resk

Onde estão os anus-pretos, que faziam as travessias aéreas sobre as estradas de terras e a vegetação? E os casais de araras-vermelhas que passeavam sob o céu azul, seguindo a caminho da floresta com suas árvores e copas densas?


Agora, nem flagrar um tatu está sendo mais possível, que sorrateiro passava sob as folhagens. O que dirá das onças-pintadas que fazem parte da fauna já ameaçada da região? A fumaça toma conta do céu. O cinza e o preto do carvão se encravam em extensas áreas de pastagem, que já estavam desprotegidas, e de floresta amazônica.

Exemplares queimados ou transformados em pequenos tocos revelam um descaso com a manutenção dos serviços ecossistêmicos, que funcionam como uma engrenagem perfeita da vida. Essas imagens ficam gravadas na retina e na memória.

A existência de um período proibitivo de queimadas e incêndios na Amazônia, nesta fase de seca e estiagem, que se estende desde julho, não é suficiente para coibir atos criminosos ou, no mínimo, negligentes como estes. Um estado também de impunidade, em muitos casos, gera um lamento dos sem-árvore, que na verdade somos todos nós, em vários pontos do bioma. Ao mesmo tempo, a retaguarda de proteção e combate a essas queimadas é pequena, com poucos recursos humanos e materiais, com uma externalidade importante: dificuldade logística em vários trechos.

Florestas ricas em babaçus, cacau, castanheiras, cupuaçus, ipês, jatobás, paineiras e as mais diferentes espécies sucumbem sob o desmatamento predominantemente intencional. Esses exemplares levaram décadas e até centenas de anos para chegarem à fase atual e em poucas horas são dizimados. Quando observamos árvores de até 50 metros se transformarem em carvão, a sensação de tristeza se apodera da gente. Os polinizadores consequentemente desaparecem e o tempo de recuperação se torna mais lento. De um dia para o outro, tudo vai ao chão. Os corpos d`água do entorno se transformam praticamente em frágeis fios d´água. O desequilíbrio da temperatura vai ocorrendo gradativamente.

Pequenas lavouras de subsistência também sucumbem sob as chamas sem fronteiras. Famílias convivem com este medo e perigo constantemente. O cenário que se desenha lembra um contexto de guerra em que o que resta nos morros e planícies são escombros. O viço da vida se perde neste emaranhado dantesco. Tudo isso não é fruto da imaginação ou de roteiro ficcional, é algo real!

Quando vimos estas situações mais de perto, no meu caso, atualmente no noroeste mato-grossense, percebemos que as estatísticas e as imagens de satélites só dão o indício de algo muito mais complexo e que não pode ser banalizado. A devastação começa bem antes, com pastagens enormes em que os cupinzeiros tentam recuperar a qualidade do solo já empobrecido pela derrubada da cobertura florestal. Nem os topos de morros são poupados, nesta visão equivocada de desenvolvimento econômico. Apesar de a natureza ter uma capacidade de resiliência inacreditável, as perdas de vidas de fauna e flora e o comprometimento da saúde humana, inclusive, de segurança alimentar, são enormes. Tudo leva tempo para se recuperar e será que temos tempo a perder?

No Dia da Árvore, lembrar desta realidade é necessário. Afinal, esse estado de coisas tem um único autor, vítima e responsável pela recuperação: o ser humano. Aí está a grande carga sobre todos nós direta ou indiretamente, na figura da sociedade, da gestão pública, do empresariado, do terceiro setor, ou seja, na engrenagem da cadeia florestal.

* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 23 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

Fonte: EcoDebate

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