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quinta-feira, 16 de março de 2017

Perdas de água potável na distribuição, artigo de Roberto Naime

Este é um tema recorrente, mas que nem por isso merece ser negligenciado. Imagine se na indústria farmacêutica houvessem perdas de 36 ou 38% nos caríssimos sais que constituem as mais importantes matérias primas. São estimadas perdas bem inferiores a 1% para viabilizar indústrias farmacêuticas.


Na indústria têxtil se estima valores que oscilam entre 1 e 2% de perdas na matéria-prima constituída por fios têxteis. E já se considera este índice muito elevado. Na indústria da construção civil, reconhecida por acolher as frações mais despreparadas de recursos humanos, com mais baixa escolaridade, e neste sentido presta um importante serviço de inclusão social, mas pessoal que por sua reduzida qualificação é desprezado por todos os outros setores.

Mesmo assim, na construção civil, nas pequenas e mais carentes empresas, as perdas são inferiores a 30%, em proporções muito variáveis. Mas isto já é um absurdo. Imaginar que o custo da ineficiência de precisar pagar por uma casa a cada 3, esteja embutido nos preços finais das construções. Nas grandes construtoras se imagina que os índices de desperdício, em média já sejam inferiores a 10%. Mas ainda assim absurdamente elevados.

E sobre as perdas registradas na distribuição de água potável, que se estimam com foi citado em números próximos a 40% em média? Nenhum comentário, nenhuma radical providência ou quebra de paradigma. Mas agora não tem mais protelação possível. Não importa quem pague o preço por esta fantástica ineficiência dos concessionários. Não existem águas disponíveis para sustentar este astronômico desperdício. A água perdida no caminho,é a água que não se dispõe para uso doméstico de qualquer natureza.

Segundo dados do Instituto Trata Brasil, o pior é a estimativa que menos de 40% dos esgotos, mais exatamente 37,9%, receba tratamento adequado antes de disposição final na rede hídrica superficial. Este esgoto sem tratamento acaba encarecendo ou inviabilizando a potabilização de muitas águas, além das perdas vergonhosas. Mas sejam serviços públicos ou concedidos via concessões legais, quem paga todo este circo de desperdício de água, que nem existe disponível para tais malversações, é o contribuinte através de impostos ou o consumidor via taxas.

Existem inúmeros motivos para este descalabro, começando como sempre pela incúria de políticas públicas. Onde existem amplos financiamentos subsidiados para obras de captação ou tratamento e reservação de águas, mas não são fáceis financiamentos de baixo custo para melhorias nas redes de distribuição. Sempre o povo pagando as inversões de prioridades nefastas.

Porque estes fatos se registram e se repetem na história? Não é forçar a barra num período tão conturbado da história do país, mas o financiamento eleitoral que empreiteiros sempre fizeram aos políticos brasileiros e que mais pode ser caracterizado como empréstimo com segundas e explícitas intenções que não comungam com o interesse público, moldam este cenário constatado. Praticamente inexistem casos relevantes e sistêmicos de recuperações de redes subterrâneas de distribuição.

Não faz mais sentido no país que a lógica e os interesses de empreiteiros e situações eleitorais continuem hegemonizando as questões vinculadas com água ou com saneamento básico. Ou então que se volte manifestar observações simplistas de que canos enterrados não sejam bons cabos eleitorais. Se não houver disponibilidade de água em unidades domésticas se desafia a afirmar que canos enterrados não se tornem potentes indutores de votos.

Dados levantados pelo Instituto Trata Brasil realizados com dados recentes do Ministério das Cidades, estimam em valores próximos ao intervalo de 8 a 10 bilhões anuais, as perdas econômicas geradas com os descaminhos da distribuição de água tratada. Poderia se repetir que este quadro é inadmissível, mas isto seria corolário de uma dança tautológica.

Se estima que ligações clandestinas, infraestrutura desgastada, vazamentos de toda espécie e situações das mais diversas, obras mal executadas ou medições incorretas no consumo de água, sejam as principais causas das perdas, com reflexos no faturamento das empresas operadoras, sejam públicas ou privadas.

São encontradas outras estimativas mais pedagógicas. As perdas com água tratada nas estruturas de distribuição, podem corresponder a 6 ou 7 vezes, a disponibilidade hídrica anual de todo o famigerado sistema Cantareira, objeto de noticiários tão exaustivos quanto as previsões meteorológicas.

Dentro de visão holística e sistêmica da questão, as perdas de água representam um obstáculo para a expansão das redes de distribuição do saneamento, além de aumentarem a pressão sobre os recursos naturais, agravando cenários de escassez de água, já que mais recursos hídricos precisam ser retirada do meio natural. E estas águas podem estar indisponíveis ou nem existir.

Dependendo da população escolhida para determinação estatística das perdas registradas, usando-se critérios análogos, se determinam perdas mais indecentes sob a perspectiva social e ambiental considerada. Na área do saneamento básico são mais do que necessárias disposições bélicas na sustentação de cruzadas indefectíveis que direcionem adequadamente a questão dos resíduos sólidos, da drenagem em áreas urbanas, da coleta e tratamento de esgotos e da distribuição de água potabilizada.



Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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