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quarta-feira, 10 de maio de 2017

Procura-se: líder climático, artigo de Carlos Rittl

Nos próximos dias, os Estados Unidos de Donald Trump poderão se tornar o primeiro país do mundo a abandonar o acordo do clima de Paris, ratificado por 142 nações.
A decisão será tomada por um grupo de assessores mais próximos do presidente, que estão no momento divididos, de um jeito que reflete bem a insanidade dos dias atuais: o ministro do Meio Ambiente é a favor de abandonar o tratado, enquanto o secretário de Estado, ex-CEO da maior petroleira do mundo, defende a permanência dos EUA na mesa.

Qualquer que seja o veredicto, será provavelmente um gesto apenas simbólico. Afinal, semanas atrás, Trump tomou a decisão política que importava mais sobre o assunto, ao assinar um decreto que autoriza a Agência de Proteção Ambiental a desmontar o Plano de Energia Limpa de Barack Obama. O plano é a principal regulação federal destinada a cortar emissões de carbono do setor de geração de energia.

O ato significa que o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo está abandonando a ação contra as mudanças climáticas num momento em que os fatos e a ciência nos gritam que ela deveria estar sendo criticamente acelerada. Os impactos da decisão para os objetivos do Acordo de Paris deverão ser gravíssimos. Mas igualmente ruim fica a situação da economia americana: Trump entregou de bandeja sua competitividade à China.

A premissa por trás do desmonte do Plano de Energia Limpa é uma suposta “guerra ao carvão” que teria sido movida por Obama. Mentira pura – ou, para usar uma expressão do léxico trumpista, “fato alternativo”: o que condenou o carvão à morte nos EUA não foi a regulação ambiental, mas sim a competição com tecnologias energéticas melhores e mais eficientes. O carvão declinou porque os americanos descobriram no gás natural extraído por fraturamento hidráulico uma fonte mais barata, abundante, eficiente e menos poluente. E foi só quando a realidade dessa competição já estava precificada na economia americana que o ex-presidente pôde adotar suas regulações mais ousadas da poluição das termelétricas e ampliar os incentivos às energias renováveis, que são o futuro da energia global.

Com o decreto, Trump dá uma banana para a inovação tecnológica, que sempre foi a pedra de toque da economia de seu país, na tentativa de prover uma sobrevida a duas fontes energéticas condenadas – o carvão e o petróleo. Esses dois setores hoje geram menos empregos do que as energias renováveis, mas isso não importa para Trump, mais interessado em proteger os investimentos de seus aliados na indústria fóssil.

O plano tende a fracassar, já que enfrentará forte oposição da sociedade civil, de Estados, de estados, cidades e de diversas indústrias poderosas, que apostam num futuro descarbonizado. A cruzada obscurantista de Trump contra a ciência da mudança climática foi alvo de uma marcha de cientistas no dia 22 de abril, que ocorreu em 600 cidades em todos os continentes, inclusive no Brasil. E, no dia 29, 200 mil pessoas marcharam pelo clima em Washington e outros milhares em mais de 370 cidades mundo afora.

É previsível, ainda, que haja uma chuva de ações judiciais exigindo a manutenção do plano energético de Obama. Que ninguém tenha dúvida: a matriz energética americana já está embicada para a descarbonização, e a maior prova disso foi que as emissões do país no ano passado caíram 1,6% – as menores desde 1990 – mesmo com um crescimento econômico de 3%. Isso quer dizer que o PIB americano está enfim desacoplado dos combustíveis fósseis.

No entanto, o decreto autorizando o fim do Plano de Energia Limpa terá repercussão imediata em dois aspectos. O primeiro é que, mesmo sem sair formalmente do Acordo de Paris, Trump terá provavelmente minado a chance de a humanidade alcançar sua meta mais ambiciosa, a de estabilizar o aquecimento global em 1,5oC.

Para que isso tivesse uma chance razoável de ocorrer, o mundo precisaria cortar profundamente emissões até 2020. Como os EUA respondem por 17% das emissões do mundo, precisariam liderar esse esforço. Mas nem mesmo o Plano de Energia Limpa, se fosse 100% implementado, daria conta da tarefa: ele contempla menos de 20% da NDC, a tarefa que os EUA impuseram a si mesmos como contribuição ao Acordo de Paris de cortar de 26% a 28% das emissões até 2025 em relação a 2005. Ou seja, os EUA precisariam estar criando novas políticas de corte de emissões para que a meta do 1,5oC tivesse mais chance. E estão fazendo o oposto. O sinal é o pior possível, já que outros países, como a Rússia, podem sentir-se tentados a agir de forma análoga.

O segundo efeito é deixar um vácuo de liderança na área de clima e energia, a ser preenchido por quem se apresentar. O primeiro candidato natural é a China, que tem nas energias renováveis prioridade de sua política industrial e já se apresentou neste ano, no Fórum de Davos, como substituta dos EUA nessa agenda. Investimentos que iriam para os Estados Unidos (“America First”?) agora farão a curva e tomarão rumo ao leste.

Mas há outros países que perderam relevância internacional recentemente e que deveriam estar interessados nisso. Veja, por exemplo, o Brasil: o país teve um grande sucesso recente de combate às emissões, com a queda do desmatamento na Amazônia; possui vasta experiência em biocombustíveis; e uma matriz energética ainda relativamente limpa. Caso resolvesse encarar o desafio, como fez a China, o Brasil poderia investir num programa maciço de descarbonização, de produção de commodities agrícolas com baixa emissão e de criação de uma indústria de base florestal.

Infelizmente, porém, nossos líderes parecem quase tão apegados ao passado quanto Donald Trump: destinamos 70% dos nossos investimentos em energia aos combustíveis fósseis, como o petróleo do pré-sal. Sintomático, aliás, nossa direita e nossa esquerda estejam engalfinhadas atualmente num debate sobre qual é o melhor método de jogar o carbono do pré-sal na atmosfera: se o “neoliberal” ou o “estatista”. E nosso Congresso, amplamente representado no Executivo, está mais ocupado em dizimar terras indígenas, unidades de conservação e regulações ao agronegócio do que em olhar para a frente. Na pátria das oportunidades perdidas, estamos deixando passar mais uma. A China agradece.

* Carlos Rittl, 48, é secretário-executivo do Observatório do Clima e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

Fonte: EcoDebate

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