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sábado, 29 de outubro de 2016

Amazônia E Saara: O Yin-Yang Do Planeta, Artigo De Suzi Huff Theodoro

A floresta Amazônica impacta pela sua beleza, esplendor e majestade. Porém, quando se vê o deserto do Saara pela primeira vez, fica-se igualmente impressionada por sua grandiosidade, imensidão e imponência.


Na Amazônia a vida transpira, exala e brota indiscriminada e violentamente, com uma urgência de se reproduzir e expandir-se para além de seus domínios. No Saara, não se vê vida, não se percebe o renascer. Só o desgaste, a degradação e o envelhecimento.

A Amazônia causa aquela sensação de arrebatamento e de inebriante luxúria. A vida que pulsa. O Saara causa uma sensação igualmente avassaladora, mas impregnada de respeito, medo e temor. Aquela amplidão vazia associa-se à solidão e à escassas oportunidades de reprodução, ao fim, à morte.

A Amazônia é verde – com suas matas e rios que se entrelaçam em uma simbiose inebriante-, e nos dá a exata noção do poder e da beleza inigualável da natureza em sua forma mais selvagem e primária. Já o Saara com suas cadeias de montanhas impenetráveis e pontiagudas, sua imensidão inóspita e mares de areias onduladas, é bege, meio amarelado, como se estivesse em permanente compasso de espera pelo retorno à vida.

Os rios da Amazônia são meandrantes, curvilíneos, tranquilos e serenos, como se entendessem que são, a semelhança das veias e artérias, os condutores e propagadores da vida em todas as suas formas. Já no Saara até se veem marcas de drenagens, mas elas estão mortas, sufocadas por mares de areia, que as invadem e as consomem.

Tão destoantes, esses dois sistemas regulam a vida e a morte da superfície do planeta. Encontram-se separados pela imensidão do oceano Atlântico, que também carrega segredos em suas azuis águas abissais e que igualmente guarda a chave de muitos mistérios do planeta Terra, impondo respeito e veneração.

Apesar de todas as diferenças e do mar de águas a os separar, Amazônia e Saara parecem estar interligados e interdependentes do grande ciclo da renovação e da recriação. As areias esturricadas, derivadas das cadeias de montanhas desnudas e sem vida, são arrancadas pelo vento e enviadas, através de 2.5 mil km, na forma de densas nuvens de poeira, para a exuberante Floresta. É uma espécie de contribuição da morte para fortalecer e potencializar a vida. Transportam uma dádiva chamada fertilidade, disponibilizada em pó e em doses homeopáticas. Esta poeira, enriquecida em nutrientes essenciais para a germinação e desenvolvimento de todas as espécies vivas, quando em contato com a água exalada pela respiração da floresta, converte-se em insumo que induz e reproduz a vida. Ela potencializa e incrementa os nutrientes contidos na matéria orgânica derivada do constante processo de rejuvenescimento da floresta.

E na simbiose de suas existências, vida e morte se complementam, se entrelaçam e fazem uma espécie de bailado, rodopiando em círculos grandiosos. Se completam, se sucedem, se encaixam e se transformam numa harmonia secreta e fluída. Um se apropria do outro. Um com escassez dramática de vida e a outra com excesso, com exuberância, com exagero. Se acham tão radicalmente entrelaçados, que causam ao mesmo tempo deslumbramento, temor e agonia, e a semelhança da simbologia chinesa do Yin-Yang comportam-se como fonte de equilíbrio ou desarmonia de todo o planeta.

A percepção da existência dessa virtuosa e deslumbrante simbiose entre o Yin-Yang do Planeta é tão clara, mas ainda pouco percebida e entendida. A espécie humana, louca para se reproduzir com segurança e na ânsia de se perpetuar, interfere nesse arranjo e, em nome do que se convencionou chamar de desenvolvimento, ultrapassa barreiras, transformando, alterando, degradando e, finalmente quebrando os vínculos dessa bela e tênue ligação da vida e da morte. Invadem, derrubam, queimam e consomem ferozmente a fertilidade arquitetada e tecida pela Floresta e pelo Deserto.

Esse desarranjo provoca o descompasso, a quebra, a ruptura, a disputa e a busca de supremacia entre a dupla. Sem harmonia, um quer dominar o outro, expandir-se, consumir-se. Esse destino partido, separado e ultrajado provoca, em ambos, a aflição, a fúria e o desejo de prevalência. E em um ataque de ciúmes, o Deserto inconformado com a deslumbrante beleza da Floresta, se utiliza da ganância dos homens para se apossar de imensas áreas, tornando-as frágeis, susceptíveis à erosão, à degradação e, finalmente, à desertificação.

O ciclo não mais se fecha. A Amazônia está encolhendo e as águas, que deveriam ser geradas em abundância pela Floresta, vão escasseando e já não conseguem percorrer as impensáveis distâncias, alcançadas pelos igualmente desconhecidos rios voadores, que abasteceriam outras plagas, em pampas distantes e em savanas rudes e ácidas. Já não carreiam tão generosamente as dádivas recebidas. Estão diminuindo, minguando ou caindo concentradas como tormentas avassaladoras, que causam um rastro de destruição e aniquilamento em diferentes pontos do planeta.

Assim, a cobiça desmedida está separando e quebrando o invisível vínculo entre esses entes tão distintos, mas tão interdependentes. A ardilosa morte usa a mão da cobiça para se apropriar da vida. Vale-se de artimanhas e de aliados ambiciosos para afogar e transformar as vastas planícies tropicais Amazônicas em áreas estéreis, sem fertilidade, sem vida, em nada, em morte. Em agonia, os leitos dos rios veem-se transformados em veias/artérias secas e esturricadas, tais quais as drenagens sufocadas do Saara. A exuberante Amazônia, com suas árvores grandiosas, vai minguando, desaparecendo.

Mas a vida e a Floresta tem suas estratégias, e com a mesma astúcia se rebela, e se restabelece de forma indiscriminada e anárquica. E para ganhar terreno, também busca aliados que a ajudem na sua revitalização e vigor. A Floresta clama por novas e permanentes alianças com a raça humana. Somente essa aliança poderá interromper a disputa e trazer de volta o equilíbrio e a chance de sobrevivência da Amazônia, do Saara e da espécie humana.

O resultado será a continuidade da eterna dança que permite a manutenção e o equilíbrio do ciclo da vida e da morte na superfície do planeta. O positivo e o negativo, a vida e a morte, a Amazônia e o Saara são faces do mesmo lado da moeda, que apesar de contrários, sobrevivem e se atraem reciproca e continuamente, porque ainda guardam na memória, o tempo em que a tectônica de placas rompeu um fenda, chamada Atlântico, que os separou de forma inexorável.

Suzi Huff Theodoro – Geóloga, Dra. em Desenvolvimento Sustentável, ambientalista, feminista e pesquisadora colaboradora sênior do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, da Universidade de Brasília (MADER/UnB) (suzitheodoro@unb.br)

Fonte: EcoDebate

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