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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Beleza é a 'alma' do negócio

O cemitério Parque das Cerejeiras, na periferia de São Paulo, apostou em arte e paisagismo para ser um lugar onde até os vivos gostam de estar


Distante dos mausoléus e estátuas que povoam os cemitérios tradicionais de São Paulo fica o Parque das Cerejeiras, um cemitério-jardim marcado por sua bela e complicada localização, no alto de uma colina com vista para o Parque Estadual Ecológico do Guarapiranga, em pleno Jardim Ângela – bairro da zona Sul paulistana que em 1996 foi considerado pela ONU a região urbana mais violenta do mundo. É lá que os moradores de casas de tijolos aparentes vão aos fins de semana para caminhar, fazer piquenique, conversar e até tirar fotos com vestido de noiva para o álbum de casamento. Também é lá que muitos deles enterram seus entes queridos.

Por mais raro que isso possa soar, aos ouvidos de quem vê na morte um tabu, é um espaço que convida o visitante a entrar e ficar à vontade, seja qual for sua missão ali. Tudo depende da perspectiva da qual se olha ou, em outras palavras, tudo depende do olhar. O Cerejeiras, 300.000 metros quadrados que incluem mata virgem, jardins e peixes ornamentais, esculturas e trilhas bem cuidadas, acredita que o prazer estético proporciona aos vivos uma relação positiva com a morte. E basta um passeio por lá em um dia ensolarado para lhe dar razão.

Há quase 20 anos, quem responde por ele é Daniel Arantes, um tipo alto, ponderado e de voz serena com um tino para as artes plásticas que não é comum à maioria – diretores de cemitérios ou não. Em meio a visitas esporádicas a museus e galerias e também de viagens ao exterior para conhecer a indústria cemiterial de outros países, ele foi anotando ideias e alimentando sua visão de que uma necrópole "não precisa ser um lugar feio e triste”. Mas a maior influência veio do Brasil mesmo. Depois de uma visita a Inhotim, uma antiga fazenda do interior de Minas Gerais que virou um centro de arte contemporânea, voltou decidido a transformar também o Cerejeiras sob a inspiração do espaço mineiro.

“Fiquei apaixonado pelos bancos da área externa, feitos pelo Hugo França. No princípio, ele me pareceu uma referência inalcançável, mas tive um momento de coragem e lhe mandei um email. Terminamos combinando o trabalho”, conta Daniel. Cinco eucaliptos derrubados no próprio cemitério e 22 obras depois, o Cerejeiras virou um lugar mais bonito e acolhedor, além de ganhar repercussão com as famosas "esculturas mobiliárias” do designer – que tem no Jardim Ângela seu segundo maior acervo (Inhotim é o primeiro, com 126 obras).

Depois de França, Daniel convidou a artista plástica Alê Bufe a criar duas esculturas especiais: Árvore, que projeta imagens no chão de acordo com a incidência do sol, e Ciclo, que sugere o movimento infinito, o nascimento, a purificação e a passagem para um nova vida. Também é dela o Bosque das Palavras, uma instalação de palavras como “repouso", “amor" e “saudade" forjadas em ferro localizadas em vários pontos do cemitério. “As pessoas elaboram melhor o luto, ficam mais felizes de deixar seu pai ou sua mãe em um lugar como esse”, afirma Daniel.

Não só a arte responde por essa acolhida. A natureza é uma das grandes marcas do Cerejeiras, que se chama assim por causa de seu belo bosque dessa árvore frutífera originária da Ásia e tem metade de sua área destinada à preservação ambiental. Além de uma floresta virgem, uma grande parte da vegetação é de mata reflorestada, inclusive com a ajuda de clientes do cemitério que participam do projeto Vida Verde – cuja proposta é fazer, ao mesmo tempo, uma homenagem e um gesto ecológico.

As pessoas escolhem uma das mudas nativas e fazem o plantio. Ao final, é colocada uma plaquinha com o nome do homenageado e, depois, uma carta é enviada para informar a espécie plantada e a localização GPS da árvore. E, como em uma casa asseada, tudo fica lá, no lugar em que se deixou. "Não temos problemas de depredação. Um dos objetivos do nosso cuidado é que as pessoas se sintam inibidas a jogar lixo no chão e a descuidar. Quando chegam num lugar sujo, muitos fazem a mesma coisa: sujam”, explica o diretor.

Ainda que haja um estímulo à arte e ao contato com o meio-ambiente, o tom de cuidado e respeito com a morte é permanente. Há uma dedicada comunicação visual que explica o sentido de cada coisa lá dentro – tanto mensagens objetivas, sobre plantas e animais, como subjetivas, que convidam à reflexão. Também há um cuidado com as pessoas em processo de luto, que contam com psicólogos, palestras e um guia sobre o que fazer quando um ente querido se vai, sempre tratando a morte como algo que faz parte da vida. "Tentamos dar um passo além e fazer com que as pessoas conversem. Ninguém gosta de falar do assunto, porque não o dominamos. O ser humano sente que precisa dominar tudo ao seu redor”, conclui Arantes.

A sensação é que quem já superou não o medo da morte – que é insuperável – mas a negação sobre sua existência vai ao Jardim Ângela para fazer qualquer coisa, nem que seja sentar-se num dos bancos de Hugo França e pensar sobre a vida. Os mais festivos esperam, a cada ano, o Dia de Finados para visitar o cemitério, que está próximo de alcançar 30.000 visitantes nessa data. Eles sempre são recebidos com um concerto de música clássica, soltam balões ao céu e deixam suas homenagens em murais de vidro, mostrando que o luto pode virar uma gostosa saudade.

Fonte: El Pais

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