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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sincretismo na alma do Brasil, artigo de Montserrat Martins

Candomblé, católicos e evangélicos convivem nas mesmas famílias, em Salvador, com exercícios de tolerância recíproca que não são fáceis, mas necessários. Sincretismo não é artigo de luxo para turista ver, é o ingrediente mais fundamental na formação do nosso povo.

Do século XVI ao XIX, africanos de grupos étnicos diversos e rivais foram escravizados e trazidos ao Brasil. Os Iorubás vieram da região onde hoje fica a Nigéria, os Fons foram trazidos de Benin, os Bantus das regiões de Angola, Congo, Guiné, Moçambique, Zaire. As origens destes e de outros grupos estão bem descritas no livro “O Candomblé bem explicado”, de Odé Kileuy e Vera de Oxaguã.

Por mais de três séculos foram comercializados como escravos e o primeiro sincretismo obrigatório começou entre eles próprios, que vinham muitas vezes de tribos rivais. A dispersão da etnia Bantu no Brasil abrangeu os estados do RJ, SP, MG, ES, MA, PE, BA e RS. Os Iorubás e Fons foram para áreas urbanas do RJ, SP, BA, PE e MA. Alguns reinados africanos foram cúmplices do escravagismo, vendendo os vencidos em guerras intertribais. Vivenciando a mesma condição de escravos no Brasil, grupos rivais foram forçados a interagir pela preservação de sua cultura.

O Candomblé foi criado no Brasil (fato que muitos desconhecem), naquelas condições adversas. Obrigados ao catolicismo, passaram a cultuar seus orixás através dos santos católicos, com as analogias possíveis. Ogum em São Jorge, Obá em Santa Bárbara, e por aí em diante. O que não te mata de fortalece, como disse Nietzsche, e foi assim que a cultura religiosa africana sobreviveu e se enraizou com muita força em todo o Brasil.

Existe um “apartheid brasileiro” que mais de um século depois da escravidão separa os negros de cargos de poder econômico no país, mas no terreno cultural as barreiras foram vencidas, principalmente na música e no esporte. Com os múltiplos sincretismos que foram sendo criados através dos séculos, a cultura afrodescendente se manteve viva e vigorosa.

Já os indígenas, além genocídio que sofreram (de sua população de milhões de pessoas aos poucos sobreviventes de hoje), também foram exterminados culturalmente. É mais fácil você encontrar um livro sobre os xamãs dos esquimós ou dos índios americanos do que sobre os brasileiros, por exemplo. Os Guarani-Kaiowá e outros lembrados nas redes sociais são o último grito contra a extinção completa da cultura que era a original destas terras, antes das invasões européias.

A Pindorama – nome tupi-guarani para “terra das palmeiras”, como chamavam o nosso país – pede socorro. Medindo felicidade pelo PIB, ao invés do novo conceito de “Felicidade Interna Bruta”, a mentalidade européia invasora não reconhece seu valor. A profunda mensagem de “Avatar”, sucesso de bilheterias, ainda não penetra em seus espíritos. O Brasil está empobrecendo sua cultura. Está perdendo parte de sua alma.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

Fonte: EcoDebate

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