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quinta-feira, 9 de março de 2017

Ecologia Profunda, artigo de Roberto Naime

A ecologia profunda é uma concepção filosófica proposta no início da década de 70 do século passado pelo pensador e filósofo norueguês Arne Naess. Sua evolução é atribuída a uma reação dos indivíduos à visão hegemônica, então dominante sobre a maximização de utilização dos recursos naturais.


A ecologia profunda possui influência do pensamento de Mahatma Gandhi, Henry David Thoreau, Jean Jacques Rousseau, Aldo Leopoldo na “ética da terra” e de muitos outros. Arne Naess era também estudioso do budismo e de filosofias orientais, influências marcantes no modo de agir do ecologista profundo e até hoje relevantes no movimento ambientalista, conforme comprovam as intervenções de Fritjof Capra. É sensível a influência que a filosofia do taoísmo exerceu sobre todo o movimento ecológico.

Esta corrente de apropriação da realidade, com forma de pensar e agir muito singulares, desde sua origem se caracteriza por adotar premissas e paradigmas próprios e diferenciados. Frequentemente se registra e se associa as ações e ideias do professor José Lutzemberger, que desencadeou o movimento ecológico brasileiro ao fundar a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), na mesma época.

O movimento de ecologia profunda estabelece, de forma inédita, algumas proposições que permanecem e são cada vez mais evidentes. É preciso substituir a visão antropocêntrica e iluminista de que a espécie humana veio “dominar” o planeta, pela visão de conviver harmoniosamente com a natureza e o planeta. O ambiente natural não tem apenas um valor funcional ou contábil para os seres humanos. A natureza tem um valor intrínseco, ou seja, em si própria, que é intangível.

Desaparece aquela visão teológica que estabelece que seres humanos, concebidos à imagem de deuses, são superiores. Todas as formas de vida são igualmente importantes e relevantes dentro de equilíbrios e funcionalidades homeostáticos nos ecossistemas e biomas. Outro paradigma que sofre questionamento definitivo é que o desenvolvimento justifica tudo. As evoluções são apenas instrumentos de autorrealização dos indivíduos considerados.

Também é substituída a visão de recursos naturais infinitos, pelas concepções realistas que determinam a finitude dos recursos. Se faz proposições que a tecnologia não seja a substituta da divindade e seja relegada para as necessidades e não se torne um outro dogma escravizador.

A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda. Dentro da visão da ecologia profunda, o consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos.

Por fim, já como reação aos movimentos de globalização, surge a concepção de extremo respeito às comunidades locais e suas tradições culturais e tradicionais. Se propõe ideias que viabilizem a alteração da autonomia de comunidades centralizadas, por bio-regiões ou geobiossistemas com estrito e radical reconhecimento das chamadas minorias.

Como inspiração histórica a ecologia profunda resgata a famosa manifestação do chefe Seattle, em sua carta ao presidente Franklin Pierce. Este personagem quase mitológico, ficou mais conhecido como “Chefe Sealth”. Mas se tratava de Ts’ial-la-kum, ou ainda Sealth, “Seathle”, Seathl ou See-ahth. Nasceu por volta do ano de 1786 perto das ilhas Blake, Washington, e faleceu em 1866. Assim como Saelth; seu pai também foi líder da tribos Suquamish e Duwamish, no território que hoje é o estado americano de Washington.

Se registram partes de sua manifestação. “Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende”.

Prossegue o chefe Seattle, “Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.” Qualquer semelhança observada é mera coincidência. Ou ao contrário, não é mera coincidência.

Enquanto a ecologia é o estudo das interações entre os seres vivos e destes com o ambiente, a Ecologia Profunda é uma alteração de paradigma, de forma de pensar e agir, dentro da ecologia ou de qualquer outra atividade.

É relevante também que diversas sociedades humanas, especialmente indígenas, praticavam uma vida de acordo com este modo de ver e agir a respeito da biosfera. A definição mais recorrente de Ecologia Profunda ocorre justamente por meio do discurso do índio norte-americano conhecido como Chefe Seattle.

O manifesto resumia e asseverava que “de uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem. É o homem que pertence à terra. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida, ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará”.

Pelo lado do conhecimento e da ciência, existe grande influência de novas descobertas científicas, como a teoria da complexidade e a teoria do caos. Baseia-se em novas formas científicas de pensar, conhecidas como pensamento sistêmico.

Nas observações de Fritjof Capra, “o ambientalismo superficial é antropocêntrico. Vê o homem acima ou fora da natureza, como fonte de todo valor, e atribui a natureza um valor apenas instrumental ou de uso. A Ecologia Profunda não o separa do ambiente natural nem qualquer outro ser. Vê o mundo como uma teia de fenômenos essencialmente inter-relacionados e interdependentes. Ela reconhece que estamos todos inseridos nos processos cíclicos da natureza e somos dependentes deles“. Se acrescentaria, conjuntamente ou de forma solidária.



Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte: EcoDebate

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