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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Civilização do automóvel dá sinais de esgotamento – A nefasta cultura do carrocentrismo

Muito se falou e se comentou do caráter fragmentário e da ausência de bandeiras claras nas grandes manifestações de junho de 2013. Uma delas, entretanto, funcionou como um forte elemento agregador: a mobilidade urbana – ninguém aguenta mais a dificuldade de ir e vir nas grandes cidades, particularmente aqueles que dependem do transporte coletivo.

O estopim do vagalhão das manifestações que explodiram em todo país teve a sua origem na violenta repressão contra a manifestação convocada pelo Movimento do Passe Livre – MPL no dia 13 de junho em São Paulo. A manifestação do MPL tinha uma reivindicação clara, concreta e objetiva: revogar o aumento da tarifa do transporte coletivo na capital paulista.

A consigna do MPL “Por uma vida sem catracas” que anuncia a reivindicação da bandeira “Tarifa Zero” se transformou ao longo das manifestações na consigna “Muito mais do que 0,20 centavos” – da luta pelo transporte acessível a todas e todos e como um direito universal derivou para inúmeras outras bandeiras.

O tema da mobilidade, porém, ganhou centralidade e visibilidade jamais alcançada. Ao ponto de que nos cinco pactos proposto pela presidente Dilma Rousseff para aplacar o furor das ruas, encontra-se em destaque o anúncio do “investimento de 50 bilhões de reais em mobilidade urbana para transportes, com metrô e ônibus”.

Nos dias subsequentes às grandes manifestações e como que num efeito dominó, dezenas de cidades anunciaram a redução nas tarifas e investimentos no transporte coletivo. Muitas CPIs foram abertas nas Câmaras Municipais de diversas cidades com a promessa de devassa na ‘caixa preta’ das planilhas que definem o valor da tarifa.

O maior ganho, entretanto, é o fato incontestável de que a agenda da mobilidade urbana entrou em cheio na agenda do debate do país e deverá ganhar destaque nas eleições de 2014. Ainda mais: há um cansaço com o discurso demagógico dos políticos sobre o tema da mobilidade, exige-se menos retórica e iniciativas concretas.

É sintomático que um dos alvos da ira popular nas manifestações tenham sido as mega arenas para a Copa do Mundo como simbologia do dinheiro público gasto de forma desmedida sem a efetiva contrapartida em obras de mobilidade. O legado da Copa – a promessa de uma cidade melhor que ameaçava se esfumaçar, pode retornar pela pressão das ruas.

A grande novidade das jornadas de junho de 2013 é o anúncio de que outra cidade é possível. Uma cidade que privilegie a mobilidade coletiva em detrimento da mobilidade individual.

Uma cidade moderna destaca Uirá Felipe Lourenço, presidente da ONG Rodas da Paz, entrevistado pelo em entrevista ao IHU é aquela que “investe em transporte coletivo e no transporte não motorizado, investe em corredores exclusivos de ônibus, em integração, em moderação de tráfego, em ciclovias, ciclofaixas e calçadas contínuas e de boa qualidade”.

O grande desafio é superar a cultura carrocentrista – que tem deixado um rastro desolador: poluição, congestionamentos, acidentes de trânsito, mortes, perda de produtividade, tensão, estresse, barulho, desigualdade no uso do espaço urbano e isolamento social – o carro apartando um dos outros.

A superação da cultura carrocentrista exige nova mentalidade e políticas públicas ousadas.

A nefasta cultura do carrocentrismo

Há exatos 40 anos atrás, num ensaio considerado visionário André Gorz publicou um texto intitulado ‘Le Sauvage’ [O Selvagem]. O ensaio, datado de 1973, é considerado pelos ambientalistas como o ‘Manifesto contra o carro’ por antecipar a tragédia da civilização do automóvel. No texto, Gorz afirma que “o carro fez a cidade grande inabitável, a fez fedorenta, barulhenta, sufocante, empoeirada, congestionada”.

O carro instaurou uma lógica e um estilo de vida que promete liberdade, mas no lugar de ir e vir se tornou uma espécie de cárcere privado. Paradoxalmente, promete agilidade, mas proporciona a lentidão dos tempos pré-industriais. Promete ganhar tempo, mas na realidade faz perder tempo.

Eles entopem os estacionamentos das universidades privadas e públicas, dos aeroportos, dos shoppings, dos supermercados. Estacionar já se tornou um drama. Ter uma vaga cativa – e gratuita – é um privilégio que se assemelha ao da casa própria. Nos grandes centros já é mais caro estacionar do que almoçar.

O estresse no trânsito é alto, os engarrafamentos enormes, a irritação é grande, mas ninguém quer abrir mão do carro. E ainda tem mais: quanto mais potente, belo e equipado, melhor. Uma das novidades é o GPS a bordo. Todos querem. Agora, destaca um twitter de Ricardo Abramovay, as montadoras estão experimentando uma nova fórmula, num esforço de gerar novas fontes de vendas com os SUVs: “Os assentos estão em uma posição mais elevada, de comando, que faz você se sentir superior”, diz J Mays, vice-presidente do grupo de design da Ford Motor Co., empresa que liderou o boom dos SUVs nos EUA na década de 90, com seus modelos relativamente grandes.

A ideia subliminar é que dirigir um SUV oferece a sensação de prazer e poder que um popular não oferece.

O sociólogo Richard Sennett, em seu livro A nova cultura do capitalismo, afirma que as pessoas se movem pela “paixão consumptiva” que assume as formas de “envolvimento em imagística e incitação pela potência”, ou seja, as pessoas quando consomem não compram apenas produtos, mas prazer e poder.

O carro exerce esse fascínio. Segundo Guillermo Giucci em entrevista à IHU On-line, “o objeto automóvel ultrapassou o valor de uso” e se transformou “numa extensão protética do ser”. O psicanalista Jorge Forbes, na mesma perspectiva, afirma que o carro se transforma em “prótese que possibilita a pessoa humana estender o corpo biológico às dimensões do seu desejo”. “O carro é mais ou menos como a roupa. É a forma como o dono se apresenta para a sociedade. Está presente no dia a dia e revela um pouco da personalidade do proprietário”, analisa Carlos Campos, consultor de montadoras.

O carro está entre os principais ícones do capitalismo que oferece ao usuário um valor distintivo. Ao volante de um deles muitos se transformam, elevam a auto-estima, sentem-se mais poderosos e livres. O “novo capitalismo”, segundo Sennett, vende a ideia de que dependendo do carro, o mundo – visto pela janela – passa a ser diferente.

O desejo de consumo associa-se, portanto, a produtos que imagisticamente vendem essa sensação, mesmo que os diferentes modelos sob a perspectiva da estrutura – o chassi – sejam semelhantes. Segundo Sennett, na fabricação de automóveis – o DNA do carro é o mesmo, mas pequenas mudanças justificam preços diferenciados: “Uma diferença de 10% no conteúdo é transformada numa diferença de 100% no preço”. A “magia” do capitalismo é fazer com que um produto básico vendido em todo o planeta se pareça único, obscurecendo a homogeneidade. As pessoas pagam mais para acessarem essa “experiência” e sensação.

O culto ao carro, portanto, é resultante dessa paixão consumptiva. O automóvel funciona como “cartão de visita – diz Guillermo Giucci –, seja para eventos sociais, seja para negócios, seja para paqueras, especialmente em sociedades periféricas. O carro também preservou a sua função de proporcionar ao proprietário uma elevada auto-estima. o automóvel exacerbou o individualismo”, destaca.

A análise da Conjuntura da Semana é uma (re)leitura das Notícias do Dia publicadas diariamente no sítio do IHU. 

A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT, parceiro estratégico do IHU, com sede em Curitiba-PR, e por Cesar Sanson, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, parceiro do IHU na elaboração das Notícias do Dia.

Fonte: EcoDebate

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