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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

“Devemos deixar tudo e nos concentrar na água”

No mundo há mais de 748 milhões de pessoas sem água potável, o equivalente a mais do que o dobro da população dos Estados Unidos. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que 1,8 bilhão de pessoas, ou seja, 500 milhões a mais do que a população da China, bebem água contaminada com matéria fecal. E morrem dois milhões de pessoas por ano por falta de acesso a água.

Segundo o último informe Desenvolvimento dos Recursos Hídricos no Mundo 2015: Água Para um Mundo Sustentável, a demanda poderia crescer 55% até 2050, devido, principalmente, ao setor manufatureiro. Em um contexto em que a comunidade internacional passa do marco de erradicação da pobreza, contemplado nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), para uma agenda de desenvolvimento sustentável mais ambiciosa, a questão da água se torna mais crucial do que nunca.

Entre o barulho das autoridades perdidas em debates intermináveis e o grande número de pessoas que sofrem secas, têm sede e padecem doenças transmitidas pela água contaminada, há fontes que dizem que cerca de cinco mil meninos e meninas morrem diariamente por essa causa, e que algumas vezes conseguem se fazer ouvir lançando luz a um dos problemas mais complexos e urgentes do mundo.

Uma delas é Rajendra Singh, ganhador do Prêmio da Água de Estocolmo, também conhecido como Prêmio Nobel da Água, por seus 35 anos de compromisso com a conservação e a gestão do recurso. Singh foi apelidado de “o homem da água da Índia” e lhe é atribuída a recuperação de uma ancestral técnica para coletar a água da chuva, que deu nova vida a vários rios e levou água limpa aos encanamentos de 1.200 povoados de seu Estado natal de Rajasthan, no nordeste indiano.

Com seus caudalosos rios e seus inumeráveis tributários, que constituem um dos sistemas de água doce mais complexos do mundo, a Índia oferece um excelente estudo de caso em matéria de gestão hídrica. Aproximadamente 150 milhões de pessoas nesse país de 1,2 bilhão de habitantes vivem sem acesso a água potável, o que agrava a pobreza e apresenta sérias questões em matéria de energia, degradação ambiental e desenvolvimento sustentável.

Por ocasião da Semana Mundial da Água 2015 (de 23 a 28 de agosto), em Estocolmo, a IPS conversou com Singh sobre o futuro desse recurso escasso e incrivelmente apreciado.

IPS: O senhor sempre diz “não precisamos de novas políticas, mas de ação para a água”. A que se refere?

RAJENDRA SINGH: Na Índia não faltam políticas nem ações, há muitas leis sobre conservação, uso e gestão do recurso. Mas essas políticas e ações não são executadas de forma adequada, e por isso não há medidas concretas. Precisamos realizar trabalhos descentralizados claros sobre a gestão hídrica com um enfoque comunitário. E o trabalho do governo nesse tipo de gestão é muito importante: oferecer recursos adequados às comunidades e criar um ambiente que facilite a ação. Deve haver ações conjuntas entre governo e comunidade para administrar o recurso. Necessitamos de quatro coisas para isso: conhecimentos sobre a água, a conservação, a gestão e o uso eficiente do recurso.

IPS: O senhor disse que o governo deve criar um ambiente propício e fornecer os recursos para a ação. Costuma-se associar “recursos” com “dinheiro”, que procede do setor privado. Como responde a isso?

RS: A mudança nunca procede do setor privado. Para uma mudança verdadeira, precisamos do governo e da comunidade. Se o setor corporativo faz tudo, então, onde está a democracia? Em Rajasthan temos muitas empresas, mas também temos um parlamento da água. Mantemos os direitos comunitários ali. Conservamos um ambiente democrático. As pessoas se mobilizam. Quando a sociedade de mobiliza, os que a roubam têm de fugir. As corporações estão aqui para ficar, mas é importante que não saqueiem as pessoas e não contaminem o sistema.

IPS: Entramos na era dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em matéria de água, o que o governo deve fazer de diferente em relação ao que fez na vigência dos ODM?

RS: Vida, fonte de renda e dignidade, os três estão vinculados à água. Na época dos ODS devemos dar a maior prioridade à água. Devemos deixar tudo por um momento e só nos concentrarmos nela. Não devemos enveredar em projetos, indicadores e no enfoque de marco lógico, mas nos mantermos concentrados no trabalho atual. Há uma enorme invasão sobre os corpos de água. Para evitar isso devemos identificá-los, demarcá-los e notificar tudo. Em muitos casos, devido à erosão, a água tem muito sedimento, e como não possui um título claro, o lobby imobiliário avança sobre as massas de água. A intrusão sobre o rio é um problema que existe na Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e outras regiões. A pobreza na região (da Ásia) é o resultado de uma crise hídrica, porque se altera os direitos das pessoas. Se os respeitarmos, poderemos conseguir que a região inteira tenha um acesso adequado ao recurso. Por exemplo, a Lei Nacional de Garantia de Emprego Rural (de 2005) foi concebida para reviver e redesenhar o sistema hídrico do país. O então ministro da Agricultura, Raghunath Singh, nos visitou, viu meu trabalho e decidiu desenhar um programa dentro do qual foi possível tomar medidas a respeito.

IPS: O senhor participou da junta da Missão Limpemos o Ganges (o terceiro rio mais comprido da Índia). Poderá ser recuperado algum dia?

RS: É difícil, mas não impossível. Porém, o governo só se relaciona com engenheiros, técnicos, etc., não com filhos e filhas do Ganges, as pessoas. Se realmente incorporar as pessoas na missão, demorará no máximo dez anos para recuperá-lo. De fato, qualquer dos rios do país pode se recuperado em dez a quinze anos. Necessitamos da vontade política do governo e da participação das pessoas comuns. Sou uma fonte de esperança. Nunca a perco. Recupero o que foi danificado, essa é minha filosofia de vida.

Fonte: Envolverde

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