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sexta-feira, 22 de novembro de 2013
Grupo pede mais ação e coerência do governo brasileiro
Pouco antes do walk out que mobilizou a maior parte das organizações da sociedade civil que participavam da Conferência do Clima de Varsóvia, representantes de entidades e de coletivos da juventude brasileira participaram de uma coletiva de imprensa oficial no Estádio Nacional, palco das negociações internacionais desse ano, e abordaram alguns pontos que consideram problemáticos para o Brasil nas discussões multilaterais e em sua política interna de enfrentamento das mudanças climáticas.
Para esses grupos, ainda que o Brasil tenha um posicionamento positivo dentro do atual processo de negociação, a falta de coerência entre as políticas públicas em clima e os planos nacionais de desenvolvimento pode dificultar o trabalho dos negociadores brasileiros em busca de um novo acordo climático que seja amplo, justo e efetivo, e de soluções para os desafios climáticos que já confrontam a humanidade. Os pontos apresentados na coletiva constam em carta endereçada ao ministro de Relações Exteriores e chefe da delegação brasileira na COP 19, Luiz Alberto Figueiredo Machado.
Em nome das organizações brasileiras que participavam da COP 19 falaram Raquel Rosenberg (Engajamundo), Sílvia Dias (Vitae Civilis), Joênia Carvalho (tribo Wapixana e Conselho Indígena de Roraima), e André Nahur (WWF-Brasil).
Consultas nacionais públicas
Um aspecto ressaltado na coletiva foi a proposta brasileira apresentada aos negociadores antes da COP-19 de realizar consultas nacionais para embasar os posicionamentos e aumentar a ambição dos compromissos internacionais em clima. Para as organizações da sociedade civil brasileira em Varsóvia, é fundamental que esses processos sejam transparentes e abertos à participação de toda a sociedade. “Queremos que esse processo seja participativo, contemplando os diversos setores da sociedade, como comunidades tradicionais, povos indígenas e jovens, e que não seja restrito a alguns grupos”, argumentou Raquel Rosenberg, do Engajamundo.
A transparência do processo foi bastante frisada na coletiva. “Temos uma preocupação séria com os encaminhamentos desse tipo de processo de consulta pública no Brasil”, apontou Sílvia Dias, do Instituto Vitae Civilis. “Geralmente, quando temos processos assim, não sabemos o que acontece, quais são os resultados, o que o governo faz com os materiais e a colaboração das organizações”.
Se as consultas não forem amplas, elas podem significar mais dificuldades no caminho para compromissos amplos, justos e efetivos no enfrentamento das mudanças climáticas. “Queremos que as posições nacionais reflitam as necessidades da sociedade como um todo, e não apenas deste ou daquele setor”, completa Sílvia.
Coerência entre políticas públicas e esforços em clima
Outro aspecto destacado foi a necessidade de harmonização das políticas públicas nacionais em torno das mudanças climáticas. Para o grupo, se o Brasil não conseguir fazer isso, pode ameaçar sua própria capacidade de negociação nos fóruns internacionais. “A equipe de negociadores brasileiros é bastante competente, mas essa capacidade de conduzir os processos de negociação de forma hábil pode ser bastante comprometida se, por exemplo, mantivermos uma tendência de poluir nossa matriz energética”, apontou Sílvia.
Um exemplo destacado durante a coletiva foi a questão do desmatamento, tema que deixou o Brasil em posição desconfortável na semana passada, quando o governo anunciou o aumento da taxa de desmatamento da Amazônia Legal de 28% entre 2012 e 2013, a primeira alta em quatro anos. “Em 2009, quando assumimos nossos compromissos voluntários de redução, estávamos ancorados no combate ao desmatamento, e fomos bem sucedidos nesse ponto, mas vimos nossas emissões crescerem muito em outros setores”, explica Raquel Rosenberg.
Isso significa que os esforços de redução associados às metas voluntárias se resumiam basicamente a ações de combate ao desmatamento, que foram eficazes pelo menos até o ano passado, conseguindo diminuir as emissões gerais do país. No entanto, outros setores estratégicos da economia, como agropecuária e energia, tiveram aumentos expressivos nas suas emissões no mesmo período, de forma que hoje esses dois setores são os mais representativos no perfil nacional de emissões (saiba mais no Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa/SEEG, do Observatório do Clima). E o aumento recente do desmatamento aponta que mesmo os esforços atuais podem ser insuficientes para reduzir as emissões nacionais, principalmente se persistir esse cenário de desarticulação entre as políticas públicas brasileiras – com destaque para os investimentos em energia (pré-sal) e o Novo Código Florestal.
Uma palavra foi bastante ressaltada durante a coletiva: coerência. “Como eu discuto mudanças climáticas no Brasil se o governo planeja colocar mais de 70% dos investimentos em produção de energia na próxima década em fontes fósseis?”, questiona Sílvia Dias. Para tanto, um primeiro passo é o próprio governo se engajar plenamente nas discussões sobre clima. “Aonde está o setor de energia brasileiro aqui na COP, aonde está a empresa de pesquisa energética que orienta o Ministério de Minas e Energia em seus investimentos quando estamos falando sobre clima. Mudanças climáticas é um desafio de todos, e não apenas do Ministério do Meio Ambiente”, apontou Sílvia.
Povos indígenas e clima: respeito aos direitos e reconhecimento
Um grupo que tradicionalmente não é incluído nas discussões sobre mudanças climáticas no Brasil é a comunidade indígena brasileira, disse Joênia Carvalho, da tribo Wapixana e do Conselho Indígena de Roraima. “Muitas vezes se discute floresta como se ninguém vivesse lá, como se ninguém dependesse das florestas há várias gerações”. Para ela, os processos nacionais e internacionais de discussão sobre clima precisam respeitar e reconhecer os direitos e os valores desses povos. “Vivemos em 13% do território nacional, e mais de 90% dessa área está na Amazônia, e é um fato científico que esses territórios são mais conservados do que outros, o que mostra a forma como vivemos, em harmonia com a natureza, em uma relação de proteção com ela”.
No contexto das negociações das Nações Unidas, um tema que emerge dentro da agenda indígena é REDD+, um dos tópicos de discussão em Varsóvia neste ano. “Queremos mostrar que REDD+ também precisa considerar o que não é mercado, queremos colocar nossos direitos como salvaguarda dentro da política de REDD+”, explica Joênia. Outra preocupação, agora no contexto brasileiro, é a inserção dos valores e práticas das comunidades indígenas dentro das políticas e programas governamentais em clima e, consequentemente, dentro da estrutura de financiamento oficial.
Para Joênia, a questão dos direitos precisa ser reforçada no Brasil no que diz respeito aos povos indígenas. “Temos diversas propostas de lei que avançam contra os nossos direitos, como a PL 215 e a PL 227, além da pressão que empreendimentos do governo em hidrelétrica e que o agronegócio fazem sobre terras indígenas e comunidades tradicionais, como quilombolas”. Nesse ponto, a representante do povo Wapixana ressaltou a importância de processos amplos, representativos e transparentes de consulta pública.
Perdas e danos e o Brasil
Finalmente, no contexto das negociações internacionais, um último ponto levantado foi a necessidade do Brasil se engajar plenamente nas discussões sobre o regime de compensação a perdas e danos (loss & damage), um dos itens que estão mais atravancados na agenda de negociação em Varsóvia. “O Brasil precisa ser atuante, já que é um dos mais afetados pelas mudanças climáticas”, disse Sílvia Dias. “Já temos uma grande vulnerabilidade, na medida em que nossa economia está ancorada na agricultura, que boa parte da nossa população mais pobre vive em áreas de risco”. Nesse contexto, o maior envolvimento do país nas negociações desse tema é vital para o desenvolvimento socioeconômico e para os objetivos de preservação ambiental e redução das emissões.
Fonte: Mercado Ético
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