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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O Estado é laico? por Viviane Tavares

Com avanço da bancada religiosa no Brasil, pesquisadores apontam como isso tem influenciado nas políticas públicas, principalmente no campo da saúde.

O  avanço  da  bancada  religiosa no Congresso Nacional tem  preocupado  os  defensores  do Estado  laico  e  das  políticas públicas,  principalmente, na  área da saúde. Por  conta  disso,   ‘Teocracia  e fundamentalismos  na contemporaneidade:  ameaças  à  cidadania  e  ao  Estado  laico’  foi  tema  do  grande  debate  que encerrou  as  atividades  do  dia  15  de  novembro no  VI Congresso Brasileiro  de Ciências  Sociais  e Humanas  em  Saúde,  organizado  pela  Associação  Brasileira    de  Saúde  Coletiva  (Abrasco), no Rio de Janeiro.

A pesquisadora Sonia Côrrea, do Observatório de Sexualidade e Política da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, informou que  a principal  área  em que os reflexos deste movimento da religião  nas  políticas  de  Estado  estão  sendo  enfrentados  é  a  da  saúde.  “Já  tivemos  materiais censurados que falam sobre os direitos dos gays, das prostitutas, do bullying homofóbico, aborto, é uma censura atrás de censura. É importante nos organizarmos porque o inimigo é grande”, indicou.

A professora apresentou ainda que esta realidade não é particular do Brasil: segundo ela, na Índia, por exemplo, já se pediu o fim da sodomia. Ela defendeu que o problema não é de uma  religião particular nem do fundamentalismo, mas sim do moralismo. “As pessoas têm usado a religião como  obstáculo  para  a  sexualidade,  mas  esse  debate  é  pouco  produtivo.  Temos  concepções seculares  na medicina  que  não  dizem respeito  à religião,  como  o sexo significar  homem  e mulher, quando  hoje  temos  muitas  vozes  transexuais  que  não são  representadas  neste  enquadramento”, debateu.

Sônia disse ainda que culpar o fundamentalismo neste cenário não englobaria as ações em todo o mundo,  que  não  poderia ser  transplantado  para  o  conservadorismo  católico,  para  o  hinduísmo, para  o  judaísmo,  e  tantas  outras religiões  que  também  interferem  nas  políticas  públicas.  “Marx falou  que  a  religião  é  o  ópio  do  povo,  e  essa  visão  continua  conosco,  mas  tem  sido  pouco produtiva. A persistência da pobreza e da desigualdade, enquanto existem atores políticos fazendo o  uso  político  da  religião, só  deixam  esse  cenário  mais  grave.  Em  que  momento  vivemos  essa separação do Estado e religião? O laicismo foi posto na ponta da baioneta de Napoleão Bonaparte; hoje na França as mulheres muçulmanas não podem usar véu”, exemplificou.

Roger Raupp, juiz de direito do Tribunal Regional Federal do Rio Grande do Sul, apresentou dois tipos  de  laicidade:  a  neutra,  praticada  na  França,  que  mantém  o  distanciamento  da religião  em qualquer decisão de fragmentação de bens públicos, como saúde e educação, e a pluriconfessional, oriunda dos Estados Unidos da América e mais próxima do que é praticado no Brasil hoje, que traz o respeito à diversidade religiosa e brechas para que elas influenciem em doutrinas do Estado. No entanto,  ele  explicou  que  essa  influência  deve  respeitar  principios  básicos,  como  a  liberdade religiosa, igualdade dentro da esfera pública. Então, o argumento da fé em uma religião não pode ser determinante.

Diferentemente  da  nossa realidade  atual, Raupp listou  uma séria  de  decisões  do  STF  em  que  o argumento se baseava em aspectos religiosos para a decisão final, entre eles a decisão da união de pessoas do mesmo sexo, a de pesquisa com células tronco, o aborto por conta da anencefalia, além do direito de mudança de sexo no Sistema Único de Saúde. “Por serem argumentos de fé, não são passíveis  de debate.  Isso não significa  o afastamento da  religião do debate público, mas significa que todos têm que estar no debate, com argumentos que sirvam para o coletivo”, explicou, apontando ainda um risco maior: “O problema é quando essas pessoas utilizam a igreja e o poder adquirido para agir de má ­fé, como vem acontecendo recentemente”.

O deputado federal (PSOL-­RJ) Jean Wyllys contou que seu  enfrentamento dentro da Câmara dos Deputados tem sido uma batalha árdua. Ele já apresentou três projetos que não foram adiante por conta de argumentos religiosos: o PL 4211/12 – projeto Gabriela Leite –, que regulamenta a profissão de prostituta; o PL 5002 -Lei João Nery, que estabelece o reconhecimento da identidade de  gênero,  permitindo  a  retificação  de  documentos  de  identificação,  e  o  PL  5120/2013,  que reconhece o casamento civil e  união estável entre pessoas do mesmo sexo, que segundo ele está regulamentado, mas não legalizado.

Para o deputado federal, embora o Brasil seja um país pluriconfessional, as outras religiões não estão representadas ou não representam tanto poder como as cristãs. De acordo com ele, a bancada evangélica  já  soma  70  deputados  e  tem  prevalência  dos  partidos  PR  e  PSC,  ligados  às  igrejas Universal e Assembleia de Deus, respectivamente. “Existem projetos que tentam ainda acabar com outras  religiões,  como  a  apresentada  por  Marcelo  Crivella  (PRB­RJ)  que  trata de peixes ornamentais, mas  em  um  dos  artigos fala sobre  o sacrificio  de  animais,  que  atinge  as religiões africanas  que  têm  isso  como  prática.  A  moral  de  uma  religião  não  pode  ser  imposta  a  uma sociedade tão diversa”, refletiu Jean Wyllis.

Para o deputado,  a separação  entre Estado  e religião é mais  complexa, mas  ele  conclui  que  o problema  vai  ainda  para  o  campo moral,  político  e  cultural.  “A  nossa  própria  noção  de  direitos humanos tem como fundamento o cristianismo. Estamos impregnados de influência religiosa em nossas datas comemorativas, nomes de ruas, nomes de filhos”, pontuou e indagou: “O que significou o  pré-­candidato Lindbergh Farias (PT­-RJ) com o pastor Silas Malafaia? Isso mostra o grau de influência econômica e política que essa bancada tem. Que fique claro que eu não sou contrário aos  cristãos,  como muitos  tentaram  manipular  minha  imagem  recentemente,  eu  sou  contra aqueles que são contra e atacam as minorias. E o mais interessante é que essas mesmas pessoas, que tanto se  incomodam  com  as  minorias,  não  falam  dos  judeus,  mas  das  religiões  de  matrizes africanas. Isso para mim é preconceito. E os preconceitos estão arraigados em todos nós, mesmo naqueles que não têm religião”, disse.

Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Fonte: EcoDebate

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