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quarta-feira, 23 de novembro de 2016

A história escondida do cemitério São Francisco de Assis


O coveiro Enio Vilpert, de 60 anos, percorre as ladeiras e degraus do Cemitério São Francisco de Assis, no bairro Itacorubi, desde 1978.
É o funcionário mais antigo do maior cemitério da Capital e um dos maiores — e mais importantes — do Estado. Sepultou amigos, lamentavelmente, e personagens históricos de Florianópolis. Sabe exatamente onde está cada túmulo e conheceu muitas das pessoas de quem mostrava a lápide.

"Essa era muito querida", "Sempre estava aqui limpando o túmulo de familiares", comentava a cada jazigo visitado. As memórias de Enio resgatam outras versões de contos que conhecíamos apenas de páginas de jornais e livros antigos. Uma aula de história e de curiosidades sobre a cidade.

O São Francisco de Assis é o cemitério público mais antigo de Florianópolis. Foi fundado em 18 de novembro de 1925. Nos livros de sepultamentos que ocorreram ao longo destes 91 anos, guardados na administração do espaço, o coveiro mostra o primeiro registro feito no mesmo dia da inauguração do cemitério. Letras delicadas, escritas com o estilo da antiga Língua Portuguesa. A primeira morte foi de Waldemar Viegas, numa trágica ironia, relata o coveiro.

— Ele foi o homem quem projetou o cemitério do Itacorubi e o primeiro a ser enterrado aqui — contou.

Viegas também teria sido um dos primeiros administradores do espaço que estava sendo construído e que abrigaria os restos mortais que estavam no então primeiro cemitério público de Florianópolis, localizado no atual Parque da Luz, na cabeceira da ponte Hercílio Luz. Na década de 20, ele precisou ser relocado para dar espaço à construção do acesso entre ilha e continente.

Segundo a pesquisadora Elisiana Trilha Castro, o cemitério da cabeceira da ponte foi transferido entre 1923 e 1926. Ali tinham sido sepultadas aproximadamente 30 mil pessoas em mais de 80 anos. Os familiares dos mortos foram chamados e avisados da transferência através de editais publicados em jornais. Parecido com o que pode acontecer futuramente no próprio cemitério do Itacorubi. A prefeitura quer definir quais túmulos são passíveis de desapropriação para abrir mais vagas no espaço que hoje está superlotado.

— Os familiares deveriam comparecer no cemitério e retirar os restos de seus entes queridos, que poderiam ser transferidos para o novo cemitério, o atual São Francisco de Assis, ou para outro, a critério da família. A transferência impôs aos envolvidos retomar o processo de luto e de uma nova despedida de seus entes queridos. Um processo que pode ser considerado uma epopeia se considerarmos o número de sepultados ali existentes, o curto prazo para a retirada e o desafio de ter ocorrido durante as obras da ponte Hercílio Luz, com toda a movimentação que causou a sua construção — detalhou a historiadora que realizou a pesquisa para seu Trabalho de Conclusão de Curso no curso de História da Udesc.

Cemitério dentro de um cemitério

Entre os transferidos estavam imigrantes alemães. Eles foram relocados ao Cemitério Luterano, que existe dentro do São Francisco de Assis. Os túmulos do local são bastante diferenciados dos demais. Estátuas de anjos, cruzes, símbolos da maçonaria. Um pouco sombrio, até mesmo.

— Estas pedras de mármore das estátuas vieram todas da Alemanha. São coisas muito antigas, que não estragam — contou Enio. 

No espaço, inclusive, está o memorial da família Hoepcke, onde está sepultado o ex-governador do Estado, Aderbal Ramos da Silva, que morreu em 13 de fevereiro de 1985. Ao lado, sua mulher, Ruth Hoepke da Silva, que morreu mais tarde, em 2 de novembro de 2007.

— Ela era muito querida. Sempre vinha até aqui em carros dirigidos por motoristas. Todas as placas tinham final 13 (representando o ano de nascimento da ex-primeira-dama, possivelmente, conta o coveiro, que percebeu naquele momento a coincidência).

O Itacorubi ainda tem um espaço recente, conta Enio, para sepultamentos de pessoas de muçulmanos. O coveiro também trabalhou em sepultamentos de muitos ciganos. Chamava sua atenção que muitos costumavam tomar uma cervejinha durante o enterro. 

Espaço de ex-governadores e políticos

No cemitério do Itacorubi estão enterrados ex-governadores do Estado e familiares de políticos catarinenses, como das famílias Ramos e Amin. Celso Ramos e Vidal Ramos estão em túmulos um ao lado do outro, em peças de mármores escuras, que chamam a atenção.

— Enterro de político é sempre cheio, né? Vem pessoas de todos os lugares — comentou o coveiro.

Andando pelo lado esquerdo do cemitério encontra-se o túmulo do médico e ex-deputado Paulo Fontes. Ao lado estão os túmulos da família Mussi, "bem conhecida em Florianópolis", lembrou Enio. O ex-governador, em um curto período entre 1925 e 26 e responsável pela inauguração da ponte Hercílio Luz, Antônio Henrique Bulcão Vieira, também está no Itacorubi. 

— Ali estão ainda enterrados Heitor Blum, ex-prefeito de Florianópolis; o ex-governador Jorge Lacerda; e a professora, jornalista, escritora e deputada Antonieta de Barros — adicionou a pesquisadora Elisiana Trilha.

Antonieta foi uma das mais importantes figuras históricas e políticas de Santa Catarina por ter sido, em 1934, a primeira mulher e primeira negra a assumir uma cadeira na Assembleia Legislativa. Ela morreu em 28 de março de 1952. 

No entanto, só foi possível identificar seu túmulo com a ajuda do coveiro. Quase esquecido, abandonado, no lado direito do cemitério, está um túmulo alto, basicamente de tijolos. Não há lápide com seu nome, data de nascimento ou de morte, nenhuma flor para uma das mulheres mais importantes de nossa história.

Velório terminou em samba

Dos 38 anos trabalhados no São Francisco de Assis, Enio conta que o dia que viu o cemitério mais cheio foi em 2010, no enterro de Erotilde Helena da Silva, a carnavalesca Nega Tide.

— Tinha gente em todos os cantos para acompanhar o enterro. Eles subiram a ladeira tocando os instrumentos da escola de samba. Foi um sepultamento muito comovente, mas com festa, como ela queria, me disseram — contou o coveiro, avaliando o sorriso da sambista na foto que estampa a lápide.

A Eterna Cidadã do Samba de Florianópolis desfilava pela Copa Lord, mas dizia ter a Protegidos da Princesa no coração, como relatou a jornalista Ângela Bastos no dia sua morte, em 18 de janeiro de 2010.

Outro ilustre sambista que descansa no Itacorubi é Claudio Alvim Barbosa, que morreu em 5 de setembro de 1998. Talvez você o conheça como Zininho, radialista, produtor e compositor. Foi o autor de marchinhas importantes para a cultura manezinha, como "A Rosa e o Jasmim", "Princesinha da Ilha", e "Rancho de Amor à Ilha", que foi escolhida para ser o hino de Floripa. As memórias e os expressivos números de sepultamentos em sua trajetória impediram que Enio lembrasse de detalhes do enterro de Zininho. Apenas recorda que estiveram ali "muitas pessoas importantes".

Perto do túmulo do sambista, está outro conhecido dos manezinhos, o colunista e comunicador Aldírio Simões de Jesus, que trabalhou em jornais como Diário Catarinense, O Estado, A Notícia. Criou o programa "Fala, Mané" e "Clube do Samba", e era amigo do próprio Zininho. 

Será que há bruxas no cemitério?

Entre políticos, empresários, sambistas, os primeiros imigrantes e demais cidadãos, no Cemitério São Francisco de Assis está enterrado talvez o maior autor catarinense de todos os tempos: Franklin Cascaes.

Enio conta que foi o próprio Cascaes quem fez o ornamento que já enfeitava o túmulo onde estavam enterrados seus familiares: uma cruz de pedra em tom pastel, com uma escada e um martelo. O por quê dos detalhes e seus significados o coveiro não saberia explicar. Mas a cruz chama atenção entre os demais túmulos.

— Era ele mesmo que costumava vir limpar o túmulo dos familiares. Estava sempre por aqui. Chegava sempre em uma Kombi verde. Sempre nos cumprimentava, mas não costumava conversar muito — lamenta o coveiro, que nunca escutou do próprio pesquisador algumas de suas histórias sobre a ilha da magia.

O folclorista morreu em 15 de março de 1983. Sua lápide não consta no jazigo. Estão ali o nome de sua mulher, Elizabeth Pavan Cascaes, e de Maria Catarina Cascaes, sua mãe.

Ah! Não há sinal de bruxas nesta região do cemitério. Pelo menos não aparentes!

O dia mais trabalhoso

O ano de 1980 está marcado na memória do coveiro Enio, mais precisamente o 12 de abril. Ele participou do sepultamento de 43 pessoas — todas elas envolvidas no acidente aéreo do TB-303 da Transbrasil, que fazia o percurso Fortaleza — Porto Alegre, com paradas em Brasília, São Paulo e Florianópolis. O Boeing 727 se chocou contra o Morro da Virgínia, em Ratones, no norte da Ilha. Dos 50 passageiros e oito tripulantes, apenas três sobreviveram. E 43 deles foram enterrados no Itacorubi, segundo conta o coveiro.

— Fizemos enterros até de noite, não parávamos um segundo sequer. Foi um dia triste demais — relembrou.

Ele mostrou o túmulo de duas das vítimas do que foi considerado na época o pior acidente aéreo em território nacional. Num espaço com detalhes de pedra e grama estão enterradas as irmãs Rosemary e Jane Koerich, filhas do empresário Antonio Koerich, da rede de lojas de seu sobrenome.

— O espaço está sempre bem cuidado — complementou o coveiro, explicando que o túmulo é visitado por várias pessoas, até por quem não é familiar.

Fonte: Jornal Hora de Santa Catarina

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