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terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Santo Amaro de cortiços e mansões

Segregação entre ricos e pobres no maior cemitério público do Recife é evidenciada por diferença entre mausoléus e covas


"Morrer é a coisa mais vulgar des­te mundo”, diz um conhecido a Floriano Cambará, que espera o fim do pai doente. E insiste: “qualquer cretino pode, dum minuto para outro, virar defunto. Alguém como teu pai devia evaporar-se no ar”. Nesse diálogo fictício, publicado em 1961 pelo escritor gaúcho Erico Veríssimo, transparece o incômodo com a igualdade no tratamento dispensado a todos os homens pela morte.

Um desconforto, aparentemente, compartilhado pelo recifense comum. A evidência está posta no Centro da Cidade, em Santo Amaro, onde os restos mortais daqueles que deveriam “evaporar-se no ar” recebem tratamento especial.

Cavaleiro da Imperial Or­dem da Rosa, o barão de Mecejana descansa os ossos em um mausoléu de sete metros, todo esculpido em carrara, um tipo de mármore escolhido por Michelangelo para criar a estátua de David. A pompa im­pressiona, mas é a grade ao redor do túmulo que denuncia: esse corpo não é igual aos outros.

Em vida, foi generoso doador do governo durante a Guerra do Paraguai. Outro corpo foi enterrado a poucos metros do barão. Só uma pedra retangular e uma garrafa pet com flores novas denunciam sua presença. Sem obstáculos, a superfície da cova é caminho comum de quem transita pelo cemitério. É a terra que lhe coube.

A mãe de Severino Brasil, 65, foi sepultada no início deste ano na “Ala dos Excluídos”, como ele chama. São jazigos individuais tampados por um bloco de gesso. Nele, familiares escrevem o nome do ente falecido a giz. “As chuvas molham o bloco e ele começa a ceder. Muitos estão com buracos, exalando um mau cheiro terrível e atraindo moscas, sem nenhum cuidado”, reclama. O necrochorume, líquido liberado pelos corpos em decomposição, pode ser visto embebendo o gesso em alguns pontos. 

Fileiras de jazigos mais antigas presentes na periferia da necrópole (em grego, cidade dos mortos) também chamam a atenção. São construídas como uma espécie de “cortiço”. Contrastam com as gavetas verticais e privadas no “centro”, decoradas com requinte e vendidas por mais de R$ 1 mil, como mostra uma publicidade anexa.

“O tratamento é muito diferente nas ruas principais e nos cantos mais afastados. Ali, onde está o túmulo de Eduardo Campos, por exemplo, a varrição é impecável, o meio-fio está pintado. São pessoas importantes e o tratamento é outro, consequentemente”, compara Brasil. Alguns dos maiores tem correntes isolando o perímetro do túmulo. “Mesmo depois de mortos, têm medo que a gente se aproxime.” 

Por trás de mausoléus suntuosos, Ione Cardoso da Silva, 60, pode ser encontrada todas as semanas, cuidando do sepulcro da mãe. O túmulo precisou ser estreitado e, um dia antes do dia de finados, estava sendo pintado. “Venho do edifício Holiday, em Boa Viagem, para cá. É um sacrifício, porque o dinheiro é pouco. Mas, a minha mãe está aqui e ela confiava em mim. Tinha R$ 20 e paguei R$ 5 para que o concreto fosse pintado. Eu vejo esses túmulos mansões e penso: para quê tanto luxo?”

Os corpos do pai, da mãe, da madrasta, da irmã e da babá de Maria Cristina Coutinho, 73, estão num jazigo perpétuo em Santo Amaro. Ela enfeitou o mármore que os abriga com dedicação e antúrios. “Isso não é ostentação. O mausoléu é grande porque é preciso pensar em todos que vão estar aqui um dia”, explica. De lá, ainda partiu para cuidar do marido no cemitério Morada da Paz, em Paulista.

Ampliação

O cemitério de Santo Amaro está recebendo novas tecnologias funerárias frutos de uma parceria entre irmandades católicas e a iniciativa privada. A grande aposta é aliar conforto, sustentabilidade e funcionalidade.

Na última quarta-feira (2) foram inaugurados os primeiros três blocos reformulados de ossuários e gavetas que pertencem a Arquidiocese de Olinda e Recife. O projeto duplicou as gavetas e multiplicou em dez as vagas para armazenagem de ossos. A próxima etapa será a reconstrução dos blocos que pertencem a Ordem Terceira do Carmo.

Fonte: Folha PE

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