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terça-feira, 18 de junho de 2013

Em torno do direito de ir e vir: existe diálogo em SP?

Depois de duas semanas em missão como relatora da ONU na Indonésia, volto ao Brasil e encontro minha cidade em pé de guerra como há muito tempo não via por aqui. A resposta truculenta da polícia de São Paulo à manifestação contra o aumento das passagens no transporte público chegou na última quinta-feira (13) ao seu auge. O que vi foi violência contra um movimento que há anos vem lutando, não apenas em São Paulo, mas em várias capitais brasileiras, não apenas contra os aumentos do valor das passagens, mas pelo direito à mobilidade como elemento essencial do direito à cidade.
Aliás, ao contrário do que muitos vêm dizendo na imprensa, o Movimento Passe Livre, assim como os demais que se articulam em torno da apropriação do espaço público e do direito à cidade, são muito mais amplos que a militância de partidos de esquerda e sindicatos, e não são estruturados pela lógica, métodos e práticas da política tradicional brasileira. Ao se negar a entender essa manifestação e classificá-la de “movimento político” (triste o país onde ser “político” é uma desqualificação…) as autoridades públicas se recusam ao diálogo com essa parcela da sociedade que, ano a ano, mostra que tem algo a dizer sobre a condução da política urbana no país.

Sou radicalmente contra depredações de ônibus, de abrigos, de estações de metrô: são patrimônio de todos e devem ser cuidados. Aliás, essa nunca foi a prática do movimento Passe Livre. Mas o discurso da mídia tenta transformar o ato de alguns em justificativa para a repressão violenta da polícia. Isso, ao meu ver, é inaceitável. Nada justifica o nível de violência a que assistimos ontem nas ruas de São Paulo: balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo, pessoas revistadas e presas por levar vinagre na mochila, manifestantes e jornalistas presos e feridos.

Aliás, esta foi a postura do governador Geraldo Alckmin desde o início: tratar as manifestações como “caso de polícia”, ato de baderneiros e vândalos que impede o direito de ir e vir das pessoas em seus carros.

Lamentavelmente, o ministro da Justiça, Jose Eduardo Cardozo, diante das manifestações em São Paulo e em outras capitais, ofereceu o apoio das forças de segurança nacionais para reprimir as manifestações. Para nenhum dos dois, o conteúdo do que está sendo dito nas ruas parece ter qualquer relevância.

O prefeito Fernando Haddad, por sua vez, inicialmente limitou-se a repetir ad nauseum que o aumento da tarifa foi abaixo da inflação. Hoje, depois de dizer que para baixar o valor da passagem é necessário aumentar os subsídios, ele pergunta de que áreas tirar recursos para cobrir esse aumento. Diante dessa pergunta, outra é inevitável: em que momento a população de São Paulo foi chamada para decidir se quer aumentar o subsídio do transporte público de São Paulo ou investir esse recurso em outras áreas? Em que momento foi chamada a compartilhar as decisões sobre os investimentos da cidade? Esse é um debate que a população quer fazer.

Mas para poder fazer este debate, é necessário abrir a caixa preta dos custos do transporte público de São Paulo. Precisamos entender por que temos que pagar subsídios tão altos. É importante lembrar, aliás, que, historicamente, em muitas cidades do país, concessionárias de ônibus têm envolvimento com práticas de cartelização, de desvios de recursos, de controle político de câmaras municipais etc. Quem não se lembra da dificuldade que a prefeitura de São Paulo teve que enfrentar para implementar corredores de ônibus e o bilhete único? Aliás, esse não é um problema apenas de São Paulo, muitas cidades do país enfrentam dificuldade para enfrentar o lobby das concessionárias de ônibus e implementar projetos de melhoria do transporte público de qualidade para todos em seus territórios.

Engana-se quem pensa que as pessoas estão nas ruas de São Paulo protestando por causa de 20 centavos. As pessoas estão hoje nas ruas dizendo algo muito parecido com o que a população de Istambul está clamando na Praça Taksim: estão falando do direito à cidade, do direito de se manifestar sobre as decisões relacionadas ao lugar onde vivem. E parece que está mais do que na hora de São Paulo – e muitas outras cidades brasileiras – enfrentar com coragem essa questão, sem violência.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

Fonte: Mercado Ético

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